17 setembro 2005

Eram cinco degraus. Ela subiu os quatro, agitada, e sentou no topo da escadinha. Ele subiu mais devagar. Estava nervoso.
- Você tem problema de pele?
- Eu? Por que?
- Cada vez que eu te olho tem uma sarda nova aí.
Ela olhou pra baixo. Frio nos pés. Daria a ponta dos cachos vermelhos por um chá de maçã com canela e uma meia mais grossa.
- Você não tinha compromisso?
- Não dá mais tempo.
Ele era novo. Mais do que ela. Tinham pulado etapas, disse, tentando se justificar sobre janeiro, quando a trocou por uma carioquinha de dois falsos olhos azuis.
- Ah, se eu soubesse. Teria feito tudo diferente.
- Não, não teria.
- Teria sim. Sinto saudades tuas. Não devia ter te deixado, foi a pior coisa que fiz na vida. Me perdoa?
- Não tem o que perdoar. Eu entendo.
- Mas diz que me perdoa, por favor.
Ela ergueu os olhos. Viu as luzes da praça, as ruas vazias, devia ser umas três da manhã. Se distraiu com o vento. Ele levantou, deu dois passos, voltou, sentou. Os olhos encheram de lágrimas.
- Eu ainda te amo.
- Eu também te amo.
- Volta pra mim?
Ela tentou não sentir pena do menino de joelhos ao seu lado.
- Tá frio, levanta.
- Volta pra mim? Escuta, eu ainda te amo. Nunca mais vou te deixar ir, nunca mais vou te magoar, eu aprendi a lição. Olha no meu olho, por favor. Eu preciso de você, do teu carinho, dos teus beijos, volta pra mim, por favor, eu não sei mais o que fazer.
Ela pensou antes de responder. Levantou.
- Eu vou te amar pra sempre.
As lágrimas vieram com violência pra ele. Agarrou o próprio rosto e chorou alto.
Ela pegou um taxi e foi morar na Nova Zelândia.

09 setembro 2005

nesse lugar tinha um poema
cada linha era um astro
cada estrofe uma estratégia
e cada verbo era um nome de mulher

(porque diziam que mulheres combinavam com estrelas)

nesse lugar tinha um poema
mas o poema fracassou.

chorando, se agarrou nos braços dela. ela olhou bem séria: O que é que você quer? que alguém te pegue pela mão, à força, e te leve até o outro lado? que te joguem no mundo sem perguntar tua opinião? que te tratem como criança?
ele parou de chorar. Depois falou baixinho: É. Exatamente isso. E limpou uma lágrima que veio sem querer.

08 setembro 2005

você tem (1) mensagens novas

Oi amor. Chegou bem de viagem? Que bom. Eu ia te ligar no celular, mas você sabe, o telefone tá bloqueado aqui em casa. É que eu tenho que te contar uma coisa. Te traí hoje. Beijei outro cara. Mas ei, não fica triste. Não, eu nem tava bêbada e ele também não me forçou. É que eu tava com vontade. Tava meio carente, sabe? E sei lá, ele tinha cara de quem beijava bem. Mas eu não fiz por mal. Tá? Não fica com raiva. Quando você ouvir essa mensagem, me liga? Vou esperar. Beijão, e ah, bem vindo aqui de novo.

sem discurso dessa vez

Eu tava numa boa, preparando um sanduíche. Daqueles com ovo, alface, pedacinhos de frango, tudo o que tivesse na geladeira - e olha que nem era muita coisa. Fim do mês, época de fazer supermercado. Ia me acomodar no sofá pra ver o resto de um filme qualquer quando bateram na porta. Sempre batem na porta na hora menos apropriada, é sempre assim. Você tira um dia pra se dedicar a comer e ver tevê, não dá outra: eles adivinham e resolvem vir te incomodar. Pensei em fingir que não estava, mas esse tipo de gente não se engana: bateram mais forte. Eu só queria comer em paz, porra.
Larguei o sanduíche em cima da mesinha do centro, num lugar que achei entre um sapato e a caixa do yakisoba que eu tinha comido uns dias antes. Tinha que lembrar de tirar aquilo dali, já tava começando a cheirar mal. Abri a porta. Nem me olhou na cara, foi entrando, sentando no sofá. Fez um carinho no Hugão. Maldito cachorro, acha que todo mundo é dono e já vai se engraçando na perna de quem aparecer. Nem liguei, eu já tava pensando em me livrar dele mesmo. Fechei a porta devagar.
- O que é que você quer dessa vez?
A indiferença foi tão grande que um minuto depois eu ainda tava me perguntando se realmente tinha dito algo. Na dúvida, repeti.
- Ei, o que é que você veio fazer aqui?
Dessa vez ele me olhou. Mas não disse nada. Levantou, foi até a geladeira e pegou uma garrafa de cerveja. Procurou um copo no armário, mas estavam todos sujos. Pensei em dizer que a empregada só vinha amanhã, porque hoje era feriado, mas ele deu um gole no gargalo mesmo e eu resolvi ficar quieto. Sentou no sofá de novo, pôs o Hugão no colo. Filho da puta, pensei. Não gosto do cachorro em cima do sofá. Trocou de canal e pegou meu sanduíche. Numa mordida foi quase metade. Caiu um pedaço de frango no chão, o Hugo foi logo buscar, lambendo a maionese que tinha ficado no carpete. Resolvi arriscar:
- Sabe, eu tinha pensado em ...
Nem deu tempo de terminar. Ele largou o controle na mesinha, tirou um revólver do bolso da jaqueta e me deu um tiro na testa. Atirou em mim. Me matou! Filho da puta, na frente do cachorro. Atirou em mim. Engoliu o resto do sanduíche, desligou a tevê e saiu. E eu só queria comer em paz.

tão animador quanto uma daquelas bandejas de cem yakult's



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