15 dezembro 2008

a história que podia muito bem ser minha mas não é



Manaíra tinha o coração do tamanho de um alfinete. Manaíra era grande, forte, bonita, não daquele jeito tradicional de ser bonita, mas carregava nos olhos um charme sem fim. Manaíra não tinha muitos afazeres: lia um pouco menos do que gostaria de dizer, andava até a mercearia, todos os dias, para comprar pão e esticar os olhos pra um pouquinho além das janelas, contava uma vez por dia uma história que era mentira, mas que não machucaria ninguém. Manaíra tinha o coração bom. Mas ele era do tamanho de um alfinete.

Manaíra tinha problemas para dormir. Todas as noites, virava de um lado a outro mais de setenta vezes, algumas com força, e bruscamente, como se pra espantar alguma coisa que a estivesse entrando pelos cabelos. Manaíra recebia visitas todas as noites antes de dormir: eram todas as pessoas que haviam tentado - ou poderiam ter tentado - entrar em seu coração, mas não couberam por algum motivo. Manaíra pensou que algumas deviam ter os pés muito grandes, ou as cabeças, ou os egos, quem sabe - mas não faria diferença de qualquer forma, ela pensou, porque não caberiam, de qualquer jeito. Manaíra sofria de insônia quando procurava alguma maneira de fazer crescer seu coração compactado: nunca encontrou.

Manaíra lembra com carinho das vezes que, por alguma coincidência, ou simples sorte, conseguiu que sua pequenina sala de estar recebesse alguém por inteiro. Em todo o tempo, não seriam mais de quatro vezes, e ela entristecia, mas pensava que poderia ser pior e virava-se na cama novamente. Certa vez, entrou em seu coração alguém que ela jamais esperaria. Pensou que ironia!, tantas vezes querendo tanto que as pessoas me coubessem, e então assim, sem nem querer, elas me cabem, e ficou sem saber bem o que pensar e o que sentir, era ainda tão tão novo pra que ela pudesse sentir alguma coisa. Manaíra passou alguns dias com o coração-de-alfinete apertadinho, ocupado em todos os cantos, tendo de abrir a janela pra que seu hóspede pudesse respirar. Manaíra não queria sufocá-lo, mas era tudo tão pequeno naquela salinha de estar que, tendo o hóspede entrado, tiveram de sair os móveis, as flores, as almofadas, e Manaíra olhava de longe, porque afinal quem é que mexe a fundo no seu próprio coração? Foi quando o hóspede de Manaíra sufocou, não podia nem ao menos movimentar pela sala. Ficou triste, definhou, e de definhado que estava, escapou pela porta, em uma pequena agonia daquelas que coçam a garganta daquele jeito ruim de se coçar.

Manaíra assistiu à partida inquieta mas imóvel, deitada na cama, em um daqueles instantes adocicados, antes de cair no sono. Manaíra já estava meio inconsciente, mas lembra-se de ter pensado: ah, que pena esse coração tão pequenino.

Manaíra amanheceu com a sala de estar em ordem, à espera de alguém que a venha visitar.

as usual

Resoluções de novo-ano

comprar um relógio de pulso
revelar pessoalmente minhas fotografias preferidas
entrar na yoga
no pilates
no budismo
na umbanda
checar o orkut uma vez ao dia, no máximo
fazer uma agenda telefônica
arranjar alguma coisa realmente importante pra se preocupar
dizer, em média, dezesseis "foda-se" por semana
botar o coração em regime de engorda
reclamar daquilo que for preciso reclamar
e só
passar a olhar por quem não tem casa
não tem dinheiro
não tem saúde
olhar também por quem não sabe o que é que não tem
assumir o gosto pelas artes visuais
ler todos os garcía márquez restantes
julgar ainda menos
conhecer cinco novas cidades
esquecer o que se precisa esquecer
ser mais cazuza que regina
ser mais nelson que lispector

 

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