26 janeiro 2010

isla de uros, 2010

quis saber o que é o desejo, de onde ele vem
fui até o centro da Terra e é mais além
procurei uma saída e amor não tem
estava ficando louco, louco, louco

chico

24 janeiro 2010

a flor da basílica de são francisco



quando cheguei fazia sol e as tantas gentes amontoadas me buscaram na memória aquele sentimento velho de meu deus, quanta gente há no mundo. alguns poucos passos lentos e um "dale!" me lembrou, ainda, que esse é um mundo com pressa - mas naquele momento a pressa era sufocada por um grito de socorro estranhamente estampado em sorrisos. gentes por todos os lados que vendiam sabonetes, miniaturas de bebidas, pacotes de grãos umedecidos, pedaços soltos quase mortos de um musgo que deveria ser mais verde se cumprisse ao propósito de forrar os presépios de natal, como tentou dizer a moça que não falava aquela língua.

procurávamos uma xícara de café, provas vivas dos vícios que trazemos de casa, e pintávamos a água quente com aquela tinta escura e densa e adoçávamos com o que houvesse, e prestávamos atenção em tudo em volta. em uma das passarelas que cruzavam a avenida três meninas pequenas dançavam uma música sem som - estavam fantasiadas dos pés à cabeça, vestindo trajes típicos de uma bolívia reservada aos turistas, por vezes compadecidos, que largavam ali um ou dois pesos. uma dor sem nome marcava o rosto das mães, mas não era uma dor triste. parecia mais uma dor herdada de todas as outras coisas - os sabonetes, os grãos e os musgos vendidos em todas as esquinas por milhares de senhoras cujas costas já nascem naturalmente curvadas para baixo, lembrando tristemente aqueles burros de carga de uns tempos atrás. e as senhoras descem, mais de mil metros, todos os dias, até a basílica de são francisco. ali, e debaixo de lonas azuis ou brancas que não conhecem domingos, expõe suas posses no caso de algum passante se interessar.

não nos interessava. procurei por mais de um dia alguma senhora que por ventura fizesse, da prata que lá vale tanto quanto pão, um escapulário com uma imagem qualquer. não havia, e elas me diziam "no tengo" com uma voz de quem tem pena de si mesma por ter perdido uma venda. não era uma venda comissionada, ou uma venda que rendesse reclamações de um patrão ambicioso. a negação equivalia a alguma coisa que certamente fará falta - não a mim, nem a nós.

nenhum café ou musgo me fez triste - talvez uma tristeza fraca tenha vindo quando passamos, em uma das viagens pelas estradas de terra, por uma montanha riquíssima em minérios de todos os tipos administrada por uma empresa australiana - e seguimos pelos dias apenas observando e tirando pequenas conclusões (que talvez mais sejam opiniões infundadas do que qualquer outra coisa, dado o fato de sermos intrusos arrogantes que ainda não se livraram do sentimento de pena e de que sim, sabemos mais do que vocês, infelizmente, uma coisa meio podre mas completamente natural). não sei, talvez tenha sido mais ainda por javier, que deixou os cinco filhos em casa durante a noite de natal para fazer sopa de legumes e algumas batatas assadas, que nós (até) soubemos agradecer, ou talvez pela moça que, na mesma noite de natal, lavava pratos e copos em uma bacia com água e sabão contados a dedo e que não falava uma palavra aos dois filhos para não interromper o programa de tv que assistiam em cima da cama feita de palha.

viemos embora - não sei aos outros, falo por mim - sem saber se pensávamos mais nas batatas, nos filhos de javier, nos trovões que caíram a noite inteira ou nos intervalos de dez minutos que compunham a viagem de cinco horas até a cidade, e que eram marcados por bruscas mudanças de paisagem - ora um deserto, ora uma laguna cheia de flamingos, ora outro deserto (dessa vez, branco e salgado), ora uma ilha - que olhávamos sem comentar, numa espécie de desespero que me agrada e me agoniza e que mantenho sempre fresco, para não esquecer.

 

© 2009foi por descuido | by TNB