17 fevereiro 2007

cinco



Faz um sol de fogo lá fora e meu corpo pesa. A janela aberta não refresca. As roupas leves contradizem o peso do corpo, da mente, do coração – que pesa também, como mil ou dois mil elefantes, daqueles do tipo maior, presos e comprimidos, dando a sensação de pesar e prisão e culpa. Mas a culpa é leve, comparada ao peso do coração – o coração pesa de frio.

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Só violando tradições e pensamentos se chega até aqui; a grama ainda é verde e o vento ainda sopra, mas não com a mesma beleza do caminho. Nem todos os destinos são tão belos quanto suas pretensões, e ao menos deste lado da cidade as pretensões são a forma mais eficaz de se chegar ao fracasso. Soube disso dias atrás, soube disso na última noite, não é tão complicado quanto teorias quânticas e tem utilidade maior.

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Existe em ti uma vontade de doer que te reprime e te liberta ao mesmo tempo, e sabes lidar com tudo isso como um engraxate lida com ações monetárias. Existe em ti a tentativa de razão, e ela é falha; tens de assumir de uma vez que também és só impulso, assim como eu, e que foi assim que conseguistes os mais belos versos de tua poesia. Existe em ti uma boca recheada de palavras e ela insiste em se fazer valer, e aí está todo o encanto, todo o teu eu, toda a ferida, na versão mais crua e mais sincera.

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Todo esse abatimento não teria sentido algum se ainda fosse ontem, mas os dias seguem e com eles o esforço de manter-se inteira e firme. São esses dias de verão, poderiam dizer. Vá mais perto e veja o mar. Há milhares de anos essa indecisão – cruel, mas necessária – entre se casar com a terra ou com o ar, com o concreto ou com as nuvens. E se nem ele, sábio e grande, em tanto tempo consegue decidir-se, não venham com dedos e facas apontados; tenho todo o tempo do mundo até que possa enxergar.

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Já te contei da menina ruiva, já te contei da quase atriz, já te contei do enamorado. Agora é hora de contar-me tu dos doces que provaste, se é que algum te despertou o apetite. Conte também das plantas e dos sóis, das pinturas na estrada, do vento, da velocidade, da leveza; da leveza e da brevidade das coisas. E da sobriedade, e da negligência, e da lucidez, que sou sedenta por ouvir – ouvir e fechar os olhos e ouvir - uma vez na vida desligar-me de tudo e então ligar-me só a ti e a tuas palavras, e por elas ser consumida até a última migalha, pra que tenhas-me toda e inteira, e liberte-me aos poucos, palavras por palavras, sereno e baixinho, mas ainda assim, mantendo-me inteira (e inteira) dentro de ti.


7 comentários:

Ana disse...

Vi agorinha o teu nick offline e vi também o link pro blog, resolvi vir aqui. E não sei se ainda lembra de mim, mas tudo bem.. Coincidência, também sinto o meu coração pesado demais nesses últimos dias, como se não desse pra carregar e ah! se eu pudesse, acho que o tiraria do peito, o deixaria descansando em algum lugar pra não sentir esse peso, que chega a me sufocar. E aqui também anda quente, quente demais, insuportável quase! Bem.. se cuida! Até algum dia.. Beijo =)

Flavia S. disse...

Ah, Iasa...
Você me inspira.

carla cursino disse...

Ah, Iasa...vc é tão poética!

Moimechego disse...

Você é artista, esteja certa disso. Seu texto está lindo, a maturidade da sua escrita é impressionante. Parabéns.

Santiago Bittencourt disse...

muito bom!
adorei!

Naiady disse...

Você sabe, não comento.

(só amiro)

Anônimo disse...

ah! mas eu tenho uma reportera poeta e não sabia! covardia...

 

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