21 agosto 2008

sangrava sangrava sangrava e aí se fez o corte, doce era o que queria sentir quando pensou no metal frio e surdo, o metal dos olhos e da face, o metal que não se explica, que ninguém tem. chovia como uma nuvem carregada, daquelas cinzas, e mentia tanto, nada que falava era verdade, mentia como quem respirava, leve e sensato, como se fosse pra isso que vivemos e que oras, farás o que se não mentir, afinal, estás aqui e eu também, tanto tu não queres ouvir minhas verdades como eu não quero ouvir das tuas, portanto guarda, diz mentiras, chove em mim, avermelha, quero ver azul. mais tarde, quando tudo alaranjava, ventava sem sentir, vergonha não passava perto, não conhecia, o que é?, atravessou de um lado a outro devagar, no tempo que traduzo como mil anos, mas quem viu nem percebeu, era impossível associar minutos com horas com dias com anos, nada disso faz sentido quando se tem medo, ela sabia mas não quis contar. piscou forte e fez-se mar, era salgada e tinha pó, não era pura, o sorriso vinha quando vinha a dor, apenas, vais dizer agora que não sabes decifrar, céus, tudo isso me aborrece, dói meus dedos minha cabeça meu pescoço minhas veias saltam mas não são azuis, são roxas, às vezes verdes, eu sei, como aquilo que me dá desejo por ser cor de carne, gosto das cores das entranhas, das luminescências, do que é lânguido e do que é vão, disse, ficou branca. saltaram na face mil manchas nos pés mil abismos nos olhos agulhas perdeu de entender o mundo todo porque tinha ido comprar pão, reclamou meia dúzia de vezes da sequência da vida, quero ser velha, velha, quero ser dessa outra espécie cujos olhos me dizem que não há por quê ser agoniada desse jeito e que anda com dificuldade e que perdeu o nojo de tudo porque virou parte desse humanismo que é nojento e podre e mal cheiroso e que por isso não pode reclamar, e mesmo assim sofre e sofre porque entende tudo do mundo e da vida e porque não pode contar pra ninguém, burros, não conseguem ver, e assim cansada rezou um terço e saiu cheirando lírios, ou seriam margaridas, e continuou contando tudo aquilo que não era real e escondeu de todos que não acreditava naquilo tudo, não, imagine, eu, pra mim é tudo sépia. passou por lá mais uma vez como passava todo dia, mandou um oi de longe, jogou um beijo, pegou no ar, ah, se tu soubesses, eu não seria assim torta manca pensa que parece que dum lado do peito tenho chumbo que é pesado e doído de carregar mas que não quebra, não, também não posso deixar cair, já pensou, suspendo com essa dor-só, e seguiu, convencida, passo fundo no barro fresco, fingiu que não era nada, e quando viu já não estava mais ali, e o som era alto e tudo havia ficado pálido então foi só apertar bem forte bem forte bem forte, onde está o metal, aquele metal, pegou do chão, ventou de leve, os lábios em u, ficaria uma bela foto aqui, espalhou a poeira que era dela e era ela e não se deu ao trabalho de juntar, pensou que tudo isso daria uma boa história mas sentia que ninguém ia querer saber, desejou que alguma coisa horrível acontecesse pra que pudessem sentir pena, se auto puniu, que coisa horrível essa de se dizer, menina, mas fazer o que se é o que eu sinto de verdade, mas ninguém precisa ficar sabendo, é, é melhor não contar que quando cansada sonha que venham bombas tiros balas mortes sangue, se lavava em sangue sem ninguém saber e era quando tudo ficava amarelo que todo mundo sabe é a cor falsa mais verdadeira que se pode ver com esses olhos, que servem pra quase nada, afinal, se fizessem direito seu trabalho, se vissem direito, eu não sentia tanta sede de ver tudo tudo e ainda a sensação que depois de ver tudo vou querer ver mais coisa do que se existe, deixa disso, nem existe tanta coisa assim, no fim, bem no fim, vai tudo servir pra nada, nem metal nem vermelho nem velho nem barro, tudo isso vai dar um nó, silêncio, olha com calma, não abre muito o olho não, esse preto ofusca, é muita luz, fecha aqui comigo agora, ela quis dizer mas a voz não veio, chutou dois galhos pisou em outro e foi embora.

1 comentários:

Guilherme Biglia disse...

sensacional

 

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