13 junho 2009

conheci um velho triste.
o velho tinha a pele enrugada. tinha um escuro ao redor dos olhos, um escuro feio, úmido, enrugado. um escuro que não era escuro por causa do tempo, por causa da chuva ou por causa do cigarro, era um escuro molhado, um escuro que guardava mais lágrimas do que comportaria o oceano atlântico. o velho tinha pés de galinha, sobrancelha escassa, amarela. tinha cavas fundas no rosto, provas de feridas que talvez já tivessem sarado. mas não era por isso que o velho era triste.
o velho tinha a boca seca. tinha regulada a quantidade de água, a quantidade de açúcar, de sal. o velho tinha poucos dentes, todos falsos, e comia com dificuldade. os lábios eram abertos, rachados e feridos, mal se fechavam. a boca do velho já cheirava aos limites do corpo humano. o sorriso, quando havia, era de uma comédia baixa. inocente.
o velho tinha pouco cabelo na cabeça, quase menos que nas orelhas. o crânio à vista, delineado. o pescoço amarelado, uma ou outra mancha vermelha, rastros de um sangue que cansou de circular. mas não era por isso que o velho era triste.
o velho andava com dificuldade, joelhos doloridos, cotovelos doloridos, as ancas pareciam congeladas, imóveis, não mais ativas, sustentadas pelas pernas fracas e finas, pernas que já foram grossas e fortes mas que já não eram mais. o velho precisava de apoio para tomar banho e nunca esfregava as costas.
o velho gostava de futebol, de samba e de cerveja. não jogava mais, não tocava mais, não bebia mais. mas não era por isso que o velho era triste.

os olhos do velho viam as crianças, os jovens, os homens e as mulheres. os olhos do velho já não tinham mais a nostalgia. admiravam, apenas. os olhos do velho viam crianças aprendendo a escrever; crianças chorando por um doce caído ao chão, crianças correndo felizes na rua.
os olhos do velho viam jovens traçando planos para a vida, se apaixonando, imaginando um outro mundo tão possível. os olhos do velho viam jovens tristes e desiludidos, jovens que tiveram o futuro arrancado, jovens saudáveis com caminhos a percorrer.
os olhos do velho viam mulheres bonitas, mulheres feias, mulheres ingratas, mulheres de bom coração. viam mulheres mães, mulheres apaixonadas, trabalhadoras, mulheres promíscuas, mulheres sem esperança.
viam homens de gravata, homens sem gravata, homens procurando lixo, procurando ouro. os olhos do velho viam homens bons e homens ruins, homens com pressa, homens com fome, homens dentro dos carros, homens indo embora.
mas não era por isso que o velho era triste.

o velho tinha a vida compartilhada com sua mulher, uma única mulher, digna do seu melhor e do seu pior. uma mulher companheira que havia cometido erros, que podiam ou não ser grandes o suficiente, mas não importava. o velho tinha a vida compartilhada com essa mulher e envelheceram juntos, na compreensão mútua da tristeza de ver tudo se esvair. mas não era por isso que o velho era triste.

o velho era triste porque havia aprendido a ler, a escrever, a jogar futebol. porque havia perdido um doce e chorado por ele, porque havia feito planos, acreditado neles, feito o possível para que lhe fizessem parte da vida. o velho era triste porque havia se apaixonado, havia sido saudável, havia trilhado um caminho, caído em alguns momentos, sofrido em muitos outros. ele era triste por ter tido mulheres de todos os tipos, de todas as cores, amantes ou não. era triste porque havia procurado por ouro, andado em carros, tido pressa, vontade, coragem.
o velho era triste porque havia vivido e apesar da vida tinha aprendido muitas coisas. aprendido sentimentos, paciências, necessidades, aprendido o que é real e o que não é, o que é preciso e o que não é, o que é possível o que não é. aprendido o que se há de fazer quanto ao outro, aprendido como é mais fácil ou o que surte mais resultado. o velho era triste porque sabia o que haveria de dizer, o que se haveria de fazer. porque sabia o que já fora tentado antes e o que ainda não havia sido. o velho era triste por ter vivido e ter aprendido todas essas coisas, coisas que agora já não eram mais úteis, coisas que só fariam sentido se fossem repassadas para alguém mais vivo do que ele. mas as pessoas vivas não querem ouvir.

aquele velho era triste como mais ninguém.


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