30 maio 2010


Tróia está em chamas; não quero nem saber. há seis meses tenho contado folhas, apenas, sem optar por nenhuma das grandes margens da rua. que queríamos mesmo no começo disso tudo? não importa. durante os dois últimos anos ouvia o mesmo diagnóstico: insatisfação crônica, insatisfação crônica, insatisfação crônica. uma doença, um horror, uma deformidade do comportamento humano, um mal a ser curado com pílulas. perguntei pela poesia: o quadro é grave, moça; poesia não resolverá.
as folhas mudaram muito nesses seis meses. eu, no entanto, permanecia imutável, empedrada, morta. insatisfação crônica, nada resolverá. pílulas. não é desassossego, não é demasiada ambição, não é tristeza pura e simples, não é euforia, bipolaridade, dislexia, vício, obesidade, labirinto, bulimia, lepra, depressão, insensatez, doçura, gripe, varicela. in-sa-tis-fa-ção crônica. crô-ni-ca.
li que era defeito. "a possibilidade de nunca se satisfazer", "desejar sempre além do que prospera, podendo levar à frustração intensa". o que é que queremos mesmo? casar, ter filhos. um apartamento ensolarado. a coleção "Grandes Pintores" da Folha de S. Paulo. um elogio por mês. salário de quatro dígitos, portão com controle eletrônico. li que era doença. o relógio mesmo disse, várias vezes, "Contenha-se!". me queria satisfeita, o pobre.
antes fosse lepra, bulimia, tristeza, qualquer coisa curável. diziam isso também. "dá de ter doença complicada assim tão nova". tomei chá, remédio, banho, fôlego, cortei unha, cabelo, fiz a barba que não tinha, passei pomada, creme, banha, curandeiro, psicólogo, cartomante, professor. nem tentei poesia. quadro grave, moça, num dá com poesia não. contei folhas, árvores e formigas. qual é o prêmio pra tanto pouco? não sabia o que se pode querer. não era questão de querer mais, era questão de querer outra coisa. mas o que é que se pode querer?
aí hoje de manhã o relógio desistiu, disse assim que pouco se fodia. aí eu retruquei que pouco me fodia eu também.
de um lado da rua as formigas diziam que a gente era único. queriam individualizar cada pedaço da calçada, porque as pessoas são diferentes. aquela baboseira. do outro lado se podia encontrar de um tudo pra curar qualquer doença que fosse. as incuráveis também. não podiam existir. é necessário que todo mundo esteja sa-tis-fei-to.


in-sa-tis-fa-ção

2 comentários:

madá disse...

você acertou demais. como sempre.

amanda audi disse...

aham.

 

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