08 setembro 2005

sem discurso dessa vez

Eu tava numa boa, preparando um sanduíche. Daqueles com ovo, alface, pedacinhos de frango, tudo o que tivesse na geladeira - e olha que nem era muita coisa. Fim do mês, época de fazer supermercado. Ia me acomodar no sofá pra ver o resto de um filme qualquer quando bateram na porta. Sempre batem na porta na hora menos apropriada, é sempre assim. Você tira um dia pra se dedicar a comer e ver tevê, não dá outra: eles adivinham e resolvem vir te incomodar. Pensei em fingir que não estava, mas esse tipo de gente não se engana: bateram mais forte. Eu só queria comer em paz, porra.
Larguei o sanduíche em cima da mesinha do centro, num lugar que achei entre um sapato e a caixa do yakisoba que eu tinha comido uns dias antes. Tinha que lembrar de tirar aquilo dali, já tava começando a cheirar mal. Abri a porta. Nem me olhou na cara, foi entrando, sentando no sofá. Fez um carinho no Hugão. Maldito cachorro, acha que todo mundo é dono e já vai se engraçando na perna de quem aparecer. Nem liguei, eu já tava pensando em me livrar dele mesmo. Fechei a porta devagar.
- O que é que você quer dessa vez?
A indiferença foi tão grande que um minuto depois eu ainda tava me perguntando se realmente tinha dito algo. Na dúvida, repeti.
- Ei, o que é que você veio fazer aqui?
Dessa vez ele me olhou. Mas não disse nada. Levantou, foi até a geladeira e pegou uma garrafa de cerveja. Procurou um copo no armário, mas estavam todos sujos. Pensei em dizer que a empregada só vinha amanhã, porque hoje era feriado, mas ele deu um gole no gargalo mesmo e eu resolvi ficar quieto. Sentou no sofá de novo, pôs o Hugão no colo. Filho da puta, pensei. Não gosto do cachorro em cima do sofá. Trocou de canal e pegou meu sanduíche. Numa mordida foi quase metade. Caiu um pedaço de frango no chão, o Hugo foi logo buscar, lambendo a maionese que tinha ficado no carpete. Resolvi arriscar:
- Sabe, eu tinha pensado em ...
Nem deu tempo de terminar. Ele largou o controle na mesinha, tirou um revólver do bolso da jaqueta e me deu um tiro na testa. Atirou em mim. Me matou! Filho da puta, na frente do cachorro. Atirou em mim. Engoliu o resto do sanduíche, desligou a tevê e saiu. E eu só queria comer em paz.

1 comentários:

Drico Moraes disse...

Hey... isso é ótimo!

 

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