01 maio 2008

Sobre a agonia de ser quem é


No fundo, é tudo sobre essa coisa — essa coisa sem-nome, esse monstro interior, que me come por dentro, dilacerando cada parte de mim que tenta tão desesperadamente se identificar. Esse sentimento constante que aparece aos poucos, e cada vez mais forte. Que me faz pensar e pensar e pensar, mas me impede de decidir a direção. A correnteza que me leva é intensa e forte e não poderia jamais duvidar sua existência. Ela não tem rosto. São só mãos, e dedos, e o tremor das pernas. E só.


Escrever passa a ser, então, o cano de escape por onde corre toda a dor. Um cano sem saída, sem desembocar, um cano em circuito, com joelheiras fracas, e vez ou outra vaza tudo, e demoro dias e dias no reparo, um reparo que é sem cuidado, sem vontade, um reparo que agoniza junto comigo e com tudo que guardo aqui. O mistério, então, se perde, e de repente acabo por ficar cada vez mais clara, mais rasa. Menos honesta.




A poesia dá lugar a palavras fáceis, que não dóem a mais ninguém a não ser eu. Escrever para os outros vira o escrever pra mim, e num paradoxo sem certezas as palavras superficializam a agonia, e tudo acaba em uma verdade sem graça, uma verdade comum. Que o mundo não passa de uma verdade comum. Que a verdade não passa de um oásis em miragem, que não existe. O deus ao qual nos agarramos pra poder fechar os olhos. Os olhos que a minha correnteza não possui.



Como as mil classes que deixei passar, como os quadros da minha infância, os peixinhos em forma de oito, as cores contrastadas. As fotografias que eu não mostrei pra ninguém. O espetáculo que eu trouxe ao dia a dia, mas não ao palco.

Metáforas são armaduras para quem não pode afirmar nada.



E em determinada esquina, me transformo em algo que não leva ao fim nem a xícara de café. Que, antes que ela termine, me explodem mais mil vontades, pesadas, pesadas, impossíveis de carregar. Um câncer. Um apodrecer que toma tudo em volta, aos poucos, e eu posso assistir ao desespero de mim mesma com as mãos atadas, uma corda que está lá sem existir. As pernas, então, tremem. As mãos apontam mais direções do que essa dimensão permite, mas não há uma cara para a qual eu possa olhar enquanto a mando tomar no cu.



Escrever passa a ser sentir tudo em dobro. Reviver cada sentimento. Artaud. Baudelaire. Goethe. Estar aqui passa a ser Adriana. Amar em canção a tudo que agoniza, assim como eu. Mas a agonia não está no coração, na sede, no desejo. A agonia está no amarelo pálido da parede, um amarelo que eu odeio, mas não vai se tornar vermelho até que eu o pinte. E pintar essa parede não é — a corda que não existe.



Levanto os olhos, finalmente. Existe um vão tão grande entre a janela e aquele mundo que há lá fora, um mundo pequeno, é possível segurá-lo. Dentro dele, mil faces, mil amores, mil artes diferentes, todas palpáveis, possíveis, mundanas. Dentro do mundo, eu, Adriana, cordas e mais cordas, e facas e fósforos, parados, em pó, à espera.



Engolir as dores dos outros, dores transformadas em páginas — assim como as minhas, cada uma de minhas dores são mil, três mil letras, que descansam exaustas em um espaço que não existe, não posso tocar. Minhas dores então já não são minhas, são de ninguém — e trazer companhia à coisa sem-nome, conforto ao desesperar, mas não traz direção a correnteza alguma. Ao invés disso, aumenta o volume, arranja outro desembocar (não o meu, o dos outros em mim). Que me dá vontade de estapear a cara que não existe, chacoalhar seus cabelos, para que pare. Estapeio o que não existe. Percebo, sem nenhuma emoção nova: não vai parar.

1 comentários:

Unknown disse...

Ah, pois é... Esqueci de pedir para as pessoas aprovarem as imagens!
Mas, fala sério, aquela boca é muito sexy! Pena que a qualidade da imagem fica ruim no blog...

 

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