28 setembro 2009

você corre.
escuro e escorregadio, você corre. carrega contigo a força da pressa, da vontade. o ideal da conquista. os objetivos marcados em cada passo, em cada movimento. você dança. delicadas elevações, preparações corpóreas, o treinamento insistente e cansativo das sequências preparadas com cuidado e sem desculpas. você joga. é um jogo mal amado de exaustão, coragem e equilíbrio. o medo não existe. o mundo não existe, está todo condensado em você. uma curva errada e tudo se perde. a beleza intrínseca do limite material, do extremo, a superação estampada sob holofotes curvados e luminescentes, coloridos, holofotes híbridos na surpresa e na negação. nada está no lugar, mas tudo está sob controle. o controle, você.
você pisca.
entre um movimento e outro estão seus olhos. limpos. como em todos os olhos, um mar de profundidades, serenas e delicadas, quase nunca perceptíveis. você corre, mas não seus olhos. acompanham simplesmente, com a sutilidade indigna de um gato. ao primeiro olhar, completude. ao segundo, concentração. ao terceiro, desespero.
você pisca.
o desespero instantâneo, quase sádico, da percepção. você pulsa. mantém os movimentos equacionados, os passos no lugar, um automatismo do corpo experiente. enquanto isso, o grito. o corpo experiente e insatisfeito como todos os outros corpos. o corpo que obedece da forma única de obedecer, mantendo sutil o grito de rebeldia que não será ouvido senão por outro corpo. um outro corpo que, embora estático, pulse. que corpos são como bocas: obedientes mas mestres na arte da dissimulação, perigos constantes e ameaçadores ao controle imaginado. o corpo grita, sem controle. já não se ouvem passos, só o ofegar, cúmplice do coração. ao segundo olhar, movimentos não tão objetivos. estremecidos. curvas propositais, esculpidas inteiras em impulso, mas jamais despidas da beleza. os olhos são os mesmos. nada está no lugar, mas tudo está sob controle. o controle, corpo.
você obedece.

2 comentários:

Anônimo disse...

Delícia.

O minimalista disse...

é como dançar ao correr. e enquanto corre transforme as passadas em ritmo, em canto. parece que falta o ar. mas vc obedece um ritmo que não é só seu.

 

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