27 abril 2007


Éramos como se fôssemos importantes um para o outro. "O que te mantém é o vício", costumava dizer entre algumas conversas. O vício sempre foi um problema, um dos grandes desvios pelos quais às vezes perdíamo-nos sem saber como e voltávamos sabendo menos ainda. Certa vez, quando era pequena, briguei com uma amiguinha de escola por um motivo bobo, desses que a gente não lembra nunca mais. Mas a culpa era minha, e ela ainda mora em mim - cada vez que abro com alguém algum tipo de discussão nervosa, me lembro da última frase da menina, logo depois de cada uma ter explicado seus motivos um bilhão de vezes: "Iasa, um pedido de desculpas bastaria". Sim, tínhamos 7 anos e brigávamos por qualquer coisa semelhante a "você imitou meu papel de cartas, sua bobona", mas a menina disse a frase de uma maneira inacreditavelmente serena, me deu as costas e nunca mais voltamos a nos falar. Tínhamos 7 anos mas brigávamos como adultas. A culpa era minha, e eu não pude pedir desculpas. Não consegui. Nunca mais tive minha amiga.

Pedir desculpas não teria me feito menor, não teria me tirado o respeito, não me humilharia - e depois do pedido, sairíamos contentes - e juntas - para comprar balas ou andar de bicicleta. Mas aquela palavrinha parecia tão dura, tão impossível de se tirar da garganta, como quando estamos à beira do choro e não conseguimos nem chorar e nem falar uma palavra, e então tudo se perde. Agíamos como se fôssemos um vício um para o outro. Como se não pudéssemos nos libertar jamais, como se tudo fosse como uma droga e nos proporcionasse os mais deliciosos momentos - mas, depois, na abstinência, sofríamos de um remorso absoluto, digno de conversas com amigos e revoltas incontroláveis. E, mais tarde, no momento do reencontro, ainda anestesiados pelo remorso e pela decisão de não se deixar mais convencer, tudo caía por terra e o controle que tanto treinávamos perdia todo o seu poder. Em alguns momentos, os melhores, dedicávamo-nos a nós como verdadeiros cúmplices e amigos; em outros, todo o sentido da vida resumia-se a competir pelas melhores agressões.

Assim levávamos, entre torturas e maravilhas, numa relação quase doentia - viciosa. As tentativas de fuga e de melhorias eram consideradas por algum tempo; depois, esvaíam-se na fenda da unilateralidade e do egoísmo. Dependíamos um do outro de uma maneira bonita e verdadeira, embora quase cruel. As diferenças deixaram de despertar curiosidade e passaram a gerar indiferença ou lágrimas (tudo nessa vida depende do ponto de vista).

Assim levávamos nossos dias, assim agíamos.
Até que mudamos.


11 abril 2007

que uma coisa fique clara:

não é porque as mãos, por falta de tempo/espaço/força
deixaram de escrever,

que o coração deixou de sentir.
 

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