28 fevereiro 2010


deitou na cama acompanhada de algum formigamento, alguma sensação de separatez. o céu permanecia no amarelado das luzes da praça, refletidas na massa de sereno que pairava pesada sobre todas as coisas. de alguma maneira sem linhas era diferente daquilo de que ela sentia saudade. se esticava e alcançava com os dedos do pé a borda da cama e pensava como podia caber e não caber ao mesmo tempo, ficava surpresa sempre mesmo estando também sempre mergulhada na translucidez.
gostava assim das camas de hotéis porque sentia que elas, tão delicadamente, jogavam-na na realidade da sua existência, apenas uma a mais, nada do especialismo de que as pessoas falam ou lutam todos os dias e incessantemente para conseguir provar. camas de hotéis vinham sempre pesadas das marcas dos outros e sempre jogavam-na levemente pra fora, fazendo-na lembrar de que haveria de partir. não sentia a partida aquela noite, e fazia tanta falta, aquela filosofia noturna dormente dos dedos dos pés contra algo que não se poderia conhecer, um escuro banal e malfeitor.

04 fevereiro 2010


. isla de uros, 2010

tenho duas estátuas no meu peito, esculturas fontes de água espessa. mármore, marfim, madeira, terra barro ou qualquer outro material do mundo que o mundo come por prazer, o badalar de um sino que não se ouve ou a corredeira de inúmeros sóis desconhecidos, estrelas, cometas, vulcões, não se sabe - quem saberia? desejaria talvez marcar o tempo em linhas que não fossem tão difíceis de se engolir ou que se transformassem, diariamente, nas gotas não-humanas de um suor que escorre pelo corpo leve, claro, de rendas e flores, adorador dos dias quentes. pensei propor-lhe uma vida de lascívia sem margens ou heróis; ouvi o canto doce e esmureci. talvez fossem elas a minha parte que valesse nessa vida densa, escura e lenta, costurada espaço-tempo nessa teia de loucuras.




 

© 2009foi por descuido | by TNB