10 novembro 2008

te disse que entrava um frio-de-sol pela janela, mas não quis me vestir. o frio não tinha nome nem corpo mas sabia fazer os braços arrepiarem, assim, fazia tanto tempo que. do que é que a gente precisa pra se sentir vivo? ele perguntou, mas eu fiquei quietinha, como se soubesse a resposta mas não quisesse contar. no fundo, eu mal prestava atenção. é que o sol fazia um desenho engraçado nos cabelos dele, e eu olhei e achei parecido com um filme que vi fazia um tempo. era uma menina que tinha ficado pálida de tanta angústia que ela guardava, aí ela resolveu sair e conhecer o mundo. engraçado como as melhores decisões são tomadas nas horas de maior desespero. ele me perguntou baixinho o que eu ia querer comer, já fazia tempo que o mundo girava lá do lado de fora, mas eu nem percebi. sabe o que eu tenho aqui? um grande e fundo poço preto, preto não, azul escuro, e ele nem dói, parece que nem pra isso presta, ele só serve pra me tragar, e ele traga tão fundo, como se não fosse devolver nunca mais tudo isso que ele traga, as cores, as dores, meus cabelos, e isso me deixa triste, triste, como quando eu vejo uma criança com fome na rua ou quando o céu raia cor-de-lis, eu quis dizer, mas senti como se ele não fosse ouvir e então fiquei. ele se debateu um pouquinho com o lençol e deu risada de tão bagunçado estava tudo, engraçado, lá fora as coisas pareciam em perfeita ordem, mas naquele quarto, mas. enquanto eu pisquei eu pensei em um milhão de fotos e coisas que eu tinha pra dizer pra ele ou pra fazer durante a manhã, antes que chegasse o dia 22, mas me deu uma canseira tão pesada que eu só consegui suspirar. ele olhou e disse Você tá tão quietinha hoje, tudo bem? pensei que se eu tava quietinha não devia estar tudo bem, que eu jã não sabia apontar onde ficava o meu coração porque eu tinha a impressão que ele havia se diluído pelo corpo todo e perdido a essência e não fazia mais nada a não ser vagar pelas veias todas sem saber direito pra onde ir, coitado, não foi pra isso que nasceu, e essa coisa diluída de não saber o caminho transformava tudo em um grande emaranhado de coisas que não poderiam estar no lugar certo, mas não falei isso, não, falei só que estava tudo bem e que precisava ir trabalhar.
no caminho do trabalho não tinha flor nenhuma. já faz uns dias que a primavera começou.

08 novembro 2008

tenho andado distraído



depois do café, olho a janela que não me diz nada. são poucos os dias como esse; dias em que nem o céu parece saber decidir entre o sol ou a chuva. uma vontade contida ou uma confiança que se fez imprópria contróem setas dentro de mim, setas que não apontam, que simplesmente existem, como tantas outras coisas.


desde Laura Féliz que conversas não agregam tanto a mim como essas dos últimos tempos, últimos jantares, últimas preguiças, últimas dúvidas e decisões. calmarias de ser-em-azul, que chegam sem que as tenhamos chamado, que ficam, ficam, que se tornam parte de nós.


tinha treze quando me marquei pra sempre pela primeira vez. quatorze pela segunda. mesma época de Laura Félix, mesma época de André, mesma época de Clarice Drummond Artaud Cazuza e Cartola. mesma época de linhas e caminhos que me deixavam ver o final. desde então, apenas círculos.


poucas vezes me senti tão cansada sem cansar; tão funda sem doer; tão inteira sendo só metade. tenho saudade do ventar, do doer-leve, de Marina, cultivo aqui comigo o buraco das coisas doces devoradas pelas formigas de um tempo que atravessei sem ver. pela primeira vez desde alícia as borboletas voltam a percorrer o meu estômago, meu pulmão, meu pés braços mãos peitos pernas e a mente que ainda nunca dediquei.


me atrai aquela parte livre que passou tempos em casulo, mas não pelo casulo, nem pelas cores que lhe tomaram depois; me agrada o tempo enclausurado sem companhia, sem família, o tempo incluso, o hiatus solitário e doloroso, e cru. me atrai que esse hiatus seja temporário, que os ciclos se completem, que pra ele haja um sentido, uma razão; me atrai que tenha sido silêncio mas que então torne-se música, de melodia intensa e breve; me atrai que encante, que não tenha então raízes, que não tenha então limite, que seja cores. me atrai tudo que é intenso; me atrai o que vai acabar.


já não me dou com mudanças bruscas, já não sou mais da espera pelo dia-de-ser-tudo-para-sempre. mas coração é treinado; sabe entender quando o ritmo muda. sabe sentir quando desperta.

04 novembro 2008

já baixa a poeira nos livros da estante
os olhos de sol fitam rápidos
entorpecendo o peito em poesia

e eu que achava a prudência um dom
deixo-a para os mais bem resolvidos

a mim me basta respirar

03 novembro 2008

ê vinicius

São demais os perigos desta vida
Pra quem tem paixão principalmente
Quando uma lua chega de repente
E se deixa no céu, como esquecidaE

se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher

Deve andar perto uma mulher que é feita
De música, luar e sentimento
E que a vida não quer de tão perfeita

Uma mulher que é como a própria lua:
Tão linda que só espalha sofrimento
Tão cheia de pudor que vive nua
 

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