25 julho 2007

para redecorar teu dentro, precisas organizar teus dotes. por cor, primeiro, porque tamanho nunca fora bom medidor. precisas pôr os vermelhos nos lugares mais visíveis, porque se passarem muito tempo trancafiados, hão de explodir. vermelhos precisam de ocupações diárias, jamais servirão como adorno-só. depois, podes deixar os lilazes, que é pra dar o equilíbrio. lilazes não precisam ter ocupação, mas devem estar visíveis, sempre - lilazes são carentes e precisam ser valorizados. os carinhos de quinta-feira, o beijo do amanhecer, o olhar da saudade instantânea, de roxo-leve, magenta azulado, tons de sabor. o branco de teu peito, deixas no teto, e só no teto, porque o branco não admite ser deixado por baixo; acredita que prevalecerá em cada final que houver. teu verde... ah, teu verde. esse deixas em um ou dois lugares, mas em pequena quantidade; o verde é aquela dor-de-esperar que manténs sempre aí, mas escondida. não se pode percebê-lo muito, ou tudo vai por água abaixo. o verde tem que haver, mas escondido dos olhos. é preciso que exista, mas não se pode perceber. o amarelo entra todo dia sem que precises tomar conta. o amarelo vem sozinho pelas frestas, pelos buracos, pelas falhas que tens aí - te ajuda a pesar menos, te diminui da densidade, te flutua outras cores. deixa o amarelo, mas não permita que tome conta - ou tudo parecerá sempre outros tempos que não esses. pretas serão as cores de contorno e os contrastes de teu dentro (jamais as sombras, sombras não vão haver, não podem nunca, não dou permissão) e o fundo dos eventuais olhos que virão a passeio. teu azul, tu dissolves. dissolves todo, como em aquarela, e aplica de leve, uma pincelada em cada outra, pra deixar de tudo um completo. o azul é preciso em cada parte, para se lembrar que é o azul que te cresce, é tua dor que te lança, é teu ardor que te aumenta. que falte vermelho um dia, ou preto no outro, mas teu azul não há de faltar; teu mundo te garante dele, teus olhos o encontram, teu dentro o absorve, mexido, diluído, intrínseco

para tudo, teu maior

21 julho 2007


o que fazia Marina tão doce ninguém sabia dizer, mas ela era como um quindim de domingo: leve, viva e maciça. Tais argumentos não a deixavam nunca, nem ao menos quando o vento a desfazia dos cabelos e da sanidade. André dizia, enquanto Marina não estava, que tudo [a amplitude do tempo nos dias de outono] se resumia à fugacidade das coisas. André era assim - falava profundo - e Marina poucas vezes o viu de perto, mas pra ela não importava, não o amava, nunca dele precisou. André a precisava - não só dela, André ventava tanto, e nem sempre a fugacidade o acompanhava. Eu conhecia André no íntimo, ou o conheci uma vez, mas então ele descobriu um amor novo em outro estado, ou algo assim, e deixou-se sumir por um tempo. Voltou para ver Marina.

Eu ouvia André e fingia acreditar nas sentenças que dizia, embora não compreendesse metade delas. Marina ainda estava distante quando Matheus acendeu um cigarro - não fumava desde 82 - e sentou no banco, descrente e pensativo. Expulsava indignação ao realizar que não se pode saber o que está por vir. "O inesperado mora no pensamento solto".

Marina demorava; passaram-se três mil anos até que chegasse. Antes disso, fiquei calada, atenta a tudo, ansiosa pela chegada de Marina, doce Marina. Estávamos quietos. Leandro não sossegava com a jaqueta, tirava e punha, ignorando o vento, a chuva e a neve. Só não aceitou um cigarro por profundas raízes ideológicas presentes em qualquer uma de suas palavras, sempre. Marina o tinha descoberto em uma noite calma e desde então passaram a ser amigos, embora saíssem faíscas toda vez que discordavam de opinião. Para Leandro, era um sinal de eternidade. Eu olhava pra Leandro com a mesma ansiedade com que esperava Marina.

Só Renan não se abalou: conversava comigo sem expectativas, as quais, se existissem, eu não respoderia, ele não poderia jamais esperar que eu prestasse atenção em tantas palavras soltas. Renan era amargo, mas apreciava o silêncio e o amor. Marina era pra ele como um rio de águas calmas, e por esse rio Renan caminhava sem escorregar.

Quando Marina chegou, só Renan manteve os olhos.


então quase odiava o que não contribuía para o amor desesperado gritando dentro dela.

caio fernando abreu.

18 julho 2007


a agonia constante de um passado que ainda não passou é como câmera lenta. você tem vontade de esticar os braços, abrir a janela, andar um passo ou dois, mas não consegue, não é tempo. a lentidão se transforma em densidade e piscar os olhos passa a ser uma tarefa doente, impossível. um passado que não morreu é o câncer da disposição; tudo se torna difícil e vagaroso, adoecendo, correndo riscos. o que se espera de um presente que não começou? um presente que não dói mas não acalma, que paralisa, mas nem isso. é um roer de unhas, é o pó de uma mesa que estará pra sempre empoeirada, ou pelo menos pelos próximos dois dias, mas o tempo não importa - e tudo o que importa é o tempo.

são caixas recheadas de coisas que não podem ser jogadas fora, mas não podem ser vistas, ou se fere o coração. um portão entreaberto, ninguém entra e ninguém sai, um estado de letargia promíscuo, que não decide, não toma parte, não permite qualquer coisa.

sinto que corri por um tempo muito longo, mas não sei por quanto tempo e nem qual era a direção.

no dia em que aquela árvore da rua fagundes varela perdeu uma flor o tempo passava em corredeiras.

05 julho 2007


Tenho dúvidas cruéis quanto a você. Não sobre as atitudes, mas sobre a sua existência. Ela já me parecia irreal quando abria de leve a persiana do teu quarto e poucos raios de sol encostavam teus cabelos. Agora, depois de tantas persianas abertas e fechadas, de tanta tristeza guardada em caminhadas, de tantos nós na garganta (os quais ainda existem, não há coração que consiga desatar) essa delicadeza bruta que te acaricia enquanto fazes a barba me parece ainda mais inatingível. Aliás, confesso nem saber se ainda fazes a barba com o mesmo aparelhinho abominável de alguns dias, mas se fizeres, não faças mais, que ficas ainda mais bonito com a barba por fazer.

Mas não é disso que se trata, e sim da sua inexistência. Cheguei a ela depois de pensar e pensar e discutir comigo mesma sobre como suas atitudes são coisas de outro mundo, e sobre como esse cuidado excessivo que dedicavas a mim ultrapassava em muito a barreira do humano. A mania de me deixar protegida sob as cobertas, como se elas pudessem tomar seu lugar enquanto fico nua nesse mundo que julgas tão perigoso a uma menina de 17. Dezessete não, dezenove, mas ora vinte e oito, ora apenas seis.


Da mesma maneira, a tristeza sombria que te tomava os olhos quando lembrava que não, não vivi metade do que me querias que tivesse, e te culpavas por isso e te castigavas sem saber, e me perdia. É uma quantidade de amor que atinge o sublime, sem a menor dúvida de erro.
Não falta amor, nunca faltou, falta a harmonia de tempos diferentes, quase opostos, que conviviam graças a empurrões desconhecidos que nos mantinham nos trilhos nos primeiros meses. Já ouvi mais de uma vez coisas do tipo da metade certa da laranja, mas que esperemos a laranja deixar de ser verde para tirar dali alguma coisa.
Não tenho medo da breguice aqui, quando te escrevo. A breguice sempre foi minha amiga, tua também, responsável por flores colhidas no caminho do supermercado, ou coisas assim. Teu amor engolia o mundo nas noites de inverno - e eu me aconchegava, oferecendo tudo de cru que tenho aqui, porque o que é cru é o melhor da vida, e pra ti só dedicavas meu melhor, embora às vezes ele não te agradasse. "Aguenta", pensava eu, e tu aguentava, firme, amante. Querendo salvar acima de água ou de fogo.

Salvaste, sem dúvidas, e essa tua existência-não-real me faz ver que talvez seja eu real demais, e que é isso que precisamos entender antes de partir.
Mas partirei contigo, porque como nós nunca houve. E tu, que me permita ser irreal da mesma forma, e prometo manter aqui meu cru e meu inteiro - porque tudo foi, e foi só teu.

 

© 2009foi por descuido | by TNB