05 julho 2007


Tenho dúvidas cruéis quanto a você. Não sobre as atitudes, mas sobre a sua existência. Ela já me parecia irreal quando abria de leve a persiana do teu quarto e poucos raios de sol encostavam teus cabelos. Agora, depois de tantas persianas abertas e fechadas, de tanta tristeza guardada em caminhadas, de tantos nós na garganta (os quais ainda existem, não há coração que consiga desatar) essa delicadeza bruta que te acaricia enquanto fazes a barba me parece ainda mais inatingível. Aliás, confesso nem saber se ainda fazes a barba com o mesmo aparelhinho abominável de alguns dias, mas se fizeres, não faças mais, que ficas ainda mais bonito com a barba por fazer.

Mas não é disso que se trata, e sim da sua inexistência. Cheguei a ela depois de pensar e pensar e discutir comigo mesma sobre como suas atitudes são coisas de outro mundo, e sobre como esse cuidado excessivo que dedicavas a mim ultrapassava em muito a barreira do humano. A mania de me deixar protegida sob as cobertas, como se elas pudessem tomar seu lugar enquanto fico nua nesse mundo que julgas tão perigoso a uma menina de 17. Dezessete não, dezenove, mas ora vinte e oito, ora apenas seis.


Da mesma maneira, a tristeza sombria que te tomava os olhos quando lembrava que não, não vivi metade do que me querias que tivesse, e te culpavas por isso e te castigavas sem saber, e me perdia. É uma quantidade de amor que atinge o sublime, sem a menor dúvida de erro.
Não falta amor, nunca faltou, falta a harmonia de tempos diferentes, quase opostos, que conviviam graças a empurrões desconhecidos que nos mantinham nos trilhos nos primeiros meses. Já ouvi mais de uma vez coisas do tipo da metade certa da laranja, mas que esperemos a laranja deixar de ser verde para tirar dali alguma coisa.
Não tenho medo da breguice aqui, quando te escrevo. A breguice sempre foi minha amiga, tua também, responsável por flores colhidas no caminho do supermercado, ou coisas assim. Teu amor engolia o mundo nas noites de inverno - e eu me aconchegava, oferecendo tudo de cru que tenho aqui, porque o que é cru é o melhor da vida, e pra ti só dedicavas meu melhor, embora às vezes ele não te agradasse. "Aguenta", pensava eu, e tu aguentava, firme, amante. Querendo salvar acima de água ou de fogo.

Salvaste, sem dúvidas, e essa tua existência-não-real me faz ver que talvez seja eu real demais, e que é isso que precisamos entender antes de partir.
Mas partirei contigo, porque como nós nunca houve. E tu, que me permita ser irreal da mesma forma, e prometo manter aqui meu cru e meu inteiro - porque tudo foi, e foi só teu.

2 comentários:

carla cursino disse...

Ah, Flor, ando em uma fase tão doce da minha vida. E não por causa do que vem acontecendo, mas porque eu assim determinei. Porque eu também acredito que é o que é cru é o melhor da vida.

Beijos, querida.

Moimechego disse...

Como é bom poder ler seus textos.

 

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