02 maio 2009

as pessoas correndo no parque, dá pra ver da janela escancarada. é o sábado acontecendo, o sábado que precede o domingo, o domingo que precede a segunda e os dias de todos os dias, o trabalho sujo mas digno de todos os dias. o mundo acorda, vê o noticiário da manhã, existe uma epidemia perigosa de uma gripe recém desenvolvida, o mundo sente medo e usa máscaras de proteção mas ainda assim é preciso fazer o café, checar os e-mails, olhar o relógio, trancar a porta e sair. lá fora o mundo segue, a rotação é a mesma, embora mais rápida; pessoas continuam correndo no parque, pessoas indo à panificadora, pessoas apressadas para o trabalho, os ônibus de linha, o sinal fechado, os buracos na camada de ozônio, o direito de reclamar que existe mas que não é de ninguém. todas aquelas vidas acumuladas e sobrepostas em um prédio de vinte andares de paredes tão finas que escuta-se um suspiro mais alto, mas grossas o suficiente pra que as batidas do coração não sejam aptas a transpassar. e há o tempo de trabalhar, o tempo dos afazeres, das obrigações, a fila dos bancos, o correio; há os vinte minutos de almoço, os quais parecem passar tão mais rápido que o resto da vida inteira, e logo estão lá, novamente, atrás das mesas, ocupando a cabeça com ofícios sem poesia, o tédio disfarçado, o desespero contido a cada nova pilha de papéis, não há tempo de reclamar, não há o direito de reclamar, e logo já são 18h e com o trânsito, o escape para a raiva que ainda existe mas que ninguém sabe o que é, e com a porta vem a pintura necessária, que nunca vi tanto cupim, meu deus, e fazer a comida, e ver na tevê novidades da gripe, da crise, da vida triste mas feliz das celebridades, checar se os filhos estão inteiros, se seus pequenos corpos sobreviveram a mais um dia de aquecimento global, botar as coisas em ordem, organizar a gaveta de contas, e quando o pensamento encontra no travesseiro o reduto fiel e seguro para se levar a vida a sério e pensar sobre o amor e as vontades e a paz procurada e o a realização e o pulsar, o diabinho do lado esquerdo sussurra: amanhã levantar às 6h, é preciso deixar o carro na mecânica, pagar o consórcio, comprar uma extensão para o microondas, e a lista interminável traz a fadiga também do pensamento, enfraquecido de tentar todos os dias por um feixe de tempo de se fazer ver, e todos dormem, escurecidos, escangalhados, medíocres de tudo, mas ainda acima de tudo, inocentes.

1 comentários:

lost focus disse...

tu já foi no museu do olho domingo para sentar em algum canto e ficar observando a juventude?

 

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