24 novembro 2007
narciso
08 novembro 2007
o resumo desses dias de silêncio
quero a guanabara
quero o rio nilo
quero tudo ter
estrela
flor
estilo
tua língua em meu mamilo água e sal
25 outubro 2007
Era segunda feira quando vi Antônia pela primeira vez depois de tudo. Ela estava bonita, arrumada, laço no cabelo, vestido daqueles que bate um ventinho e fluuuf, voa. Passou por uma daquelas ruas pequenas de trás da igreja, com pressa e batendo forte os pés no chão, como costumava fazer sempre, mesmo estando recém-acordada. Antônia tinha uma pele branca e fina que quase a fazia doente, mas tinha nos olhos cor de amêndoas uma vida inteira que ninguém sabia dizer onde é que poderia acabar.
Antônia passou, e antes que eu pudesse piscar os olhos, de estupefato que estava, ela sumiu pelos paralelepípedos. Não me arrependi. Que seria se a tivesse seguido? Se a tivesse visto? Se deixasse que mesmo pelo menor dos milésimos desse tempo do qual impulsivamente duvidamos a existência, tivesse mergulhado naquela vida sem fim dos olhos de Antônia? Não, nem pude. Mantive-me a salvo em solo firme, e distante, paralisado voluntariamente só por sentir que Antônia passava pelo mesmo espaço da Terra que eu.
Antônia sumiu pequena, e eu fiquei. Por algum motivo, alguma ironia, algum qualquer desses truques do destino que todo mundo reclama mas no fundo, bem no fundo, não vive sem, estávamos ali de novo, Antônia partindo e eu ficando. Diferente da outra vez, a dor que me acolheu ali foi uma dor miúda, daquelas que até dóem, mas têm como função verdadeira nos fazer companhia. Ali, sentados no degrau de uma pequena porta alheia, eu e minha dor-amiga, e não nos restava mais nada a fazer a não ser nos entregar de inteiro àquela sensação de paz. Antônia apareceu, de supetão, e sumiu assim rápido também, e me deixou de qualquer jeito que não sei descrever, mas é como se todo o ar pesasse tanto que seria impossível pensar em mexer os membros, e ao mesmo tempo o vento vem leve, e respiramos, e isso seria tudo.
Depois de segunda feira, não houve mais dia nenhum. Tudo se emendou e a noite juntava ao dia e o dia virava a noite que virava o dia que era o mesmo que a noite e a noite que não tinha fim seguia sempre, sempre, e eu e minha dor-amiga não vimos passar terça, ou quarta, ou sexta, porque todas as cousas condensaram-se em uma e nada mais podia dividir-se, e por fim não podia eu pensar mais nada a não ser que eu era a dor, que era a noite, que era Antônia - que partiu.
Imagem: Venus Terrae, Flor Garduño
05 outubro 2007
cores de madá
04 outubro 2007
Quando acordei, chegava em meu travesseiro uma doce-leve parte do sol - ai de mim quando esqueço de fechar bem as cortinas vermelhas. O tempo que passava e eu não sabia me fez calma, e lembrei com saudade de quando me dei conta que o que me deixava feliz era desenhar um ponto de interrogação bonito. Acho que foi no dia que faltou luz que pensei que de nada vale uma pessoa ler todos os livros do mundo que alguém algum dia disse que eram bons e deixar de viver suas próprias linhas. Fiz um chá enquanto Daniel lavava a louça e me dizia que Goethe precisa ser lido várias vezes e em várias traduções. Às vezes tenho vontade de ser Werther, mas às vezes quero ser Charlotte, e é aí que as janelas embaçam e eu fico sem ver o jardim. Daniel continuou me explicando que Morrison estava em uma fazenda no Texas e que re-escreveu The End cinquenta e duas vezes, mas não vai mostrar para ninguém. Eu só penso que seria bom gastar todo o dinheiro do mundo em uma tarde, e à noite ficar sem nada e ter de vender as roupas para comprar café. Choveu na última terça, mas foi bom por causa da seca.
30 setembro 2007
Passo a passo para desamar alguém
1. siga andando de olhos fechados
2. pise, 3 vezes e com força, na flor mais bonita que encontrar no caminho, não importa se rosas ou orquídeas ou florzinhas da fortuna, pise. não olhe para ninguém
3. roa todas as unhas, deixe o cabelo crescer, passe a usar sabão de côco
4. escute jazz
5. nunca mais beba água, para que não haja chance dela sair pelos olhos
28 setembro 2007
Com carinho,
04 setembro 2007
carta em fevereiro
# julho chegou e setembro também, eu continuo sendo uma bichinha que só sabe falar de relacionamentos.
25 julho 2007
para tudo, teu maior
21 julho 2007
o que fazia Marina tão doce ninguém sabia dizer, mas ela era como um quindim de domingo: leve, viva e maciça. Tais argumentos não a deixavam nunca, nem ao menos quando o vento a desfazia dos cabelos e da sanidade. André dizia, enquanto Marina não estava, que tudo [a amplitude do tempo nos dias de outono] se resumia à fugacidade das coisas. André era assim - falava profundo - e Marina poucas vezes o viu de perto, mas pra ela não importava, não o amava, nunca dele precisou. André a precisava - não só dela, André ventava tanto, e nem sempre a fugacidade o acompanhava. Eu conhecia André no íntimo, ou o conheci uma vez, mas então ele descobriu um amor novo em outro estado, ou algo assim, e deixou-se sumir por um tempo. Voltou para ver Marina.
Eu ouvia André e fingia acreditar nas sentenças que dizia, embora não compreendesse metade delas. Marina ainda estava distante quando Matheus acendeu um cigarro - não fumava desde 82 - e sentou no banco, descrente e pensativo. Expulsava indignação ao realizar que não se pode saber o que está por vir. "O inesperado mora no pensamento solto".
Marina demorava; passaram-se três mil anos até que chegasse. Antes disso, fiquei calada, atenta a tudo, ansiosa pela chegada de Marina, doce Marina. Estávamos quietos. Leandro não sossegava com a jaqueta, tirava e punha, ignorando o vento, a chuva e a neve. Só não aceitou um cigarro por profundas raízes ideológicas presentes em qualquer uma de suas palavras, sempre. Marina o tinha descoberto em uma noite calma e desde então passaram a ser amigos, embora saíssem faíscas toda vez que discordavam de opinião. Para Leandro, era um sinal de eternidade. Eu olhava pra Leandro com a mesma ansiedade com que esperava Marina.
Só Renan não se abalou: conversava comigo sem expectativas, as quais, se existissem, eu não respoderia, ele não poderia jamais esperar que eu prestasse atenção em tantas palavras soltas. Renan era amargo, mas apreciava o silêncio e o amor. Marina era pra ele como um rio de águas calmas, e por esse rio Renan caminhava sem escorregar.
Quando Marina chegou, só Renan manteve os olhos.
18 julho 2007
a agonia constante de um passado que ainda não passou é como câmera lenta. você tem vontade de esticar os braços, abrir a janela, andar um passo ou dois, mas não consegue, não é tempo. a lentidão se transforma em densidade e piscar os olhos passa a ser uma tarefa doente, impossível. um passado que não morreu é o câncer da disposição; tudo se torna difícil e vagaroso, adoecendo, correndo riscos. o que se espera de um presente que não começou? um presente que não dói mas não acalma, que paralisa, mas nem isso. é um roer de unhas, é o pó de uma mesa que estará pra sempre empoeirada, ou pelo menos pelos próximos dois dias, mas o tempo não importa - e tudo o que importa é o tempo.
são caixas recheadas de coisas que não podem ser jogadas fora, mas não podem ser vistas, ou se fere o coração. um portão entreaberto, ninguém entra e ninguém sai, um estado de letargia promíscuo, que não decide, não toma parte, não permite qualquer coisa.
sinto que corri por um tempo muito longo, mas não sei por quanto tempo e nem qual era a direção.
no dia em que aquela árvore da rua fagundes varela perdeu uma flor o tempo passava em corredeiras.
05 julho 2007
Tenho dúvidas cruéis quanto a você. Não sobre as atitudes, mas sobre a sua existência. Ela já me parecia irreal quando abria de leve a persiana do teu quarto e poucos raios de sol encostavam teus cabelos. Agora, depois de tantas persianas abertas e fechadas, de tanta tristeza guardada em caminhadas, de tantos nós na garganta (os quais ainda existem, não há coração que consiga desatar) essa delicadeza bruta que te acaricia enquanto fazes a barba me parece ainda mais inatingível. Aliás, confesso nem saber se ainda fazes a barba com o mesmo aparelhinho abominável de alguns dias, mas se fizeres, não faças mais, que ficas ainda mais bonito com a barba por fazer.
Mas não é disso que se trata, e sim da sua inexistência. Cheguei a ela depois de pensar e pensar e discutir comigo mesma sobre como suas atitudes são coisas de outro mundo, e sobre como esse cuidado excessivo que dedicavas a mim ultrapassava em muito a barreira do humano. A mania de me deixar protegida sob as cobertas, como se elas pudessem tomar seu lugar enquanto fico nua nesse mundo que julgas tão perigoso a uma menina de 17. Dezessete não, dezenove, mas ora vinte e oito, ora apenas seis.
Da mesma maneira, a tristeza sombria que te tomava os olhos quando lembrava que não, não vivi metade do que me querias que tivesse, e te culpavas por isso e te castigavas sem saber, e me perdia. É uma quantidade de amor que atinge o sublime, sem a menor dúvida de erro.
Não falta amor, nunca faltou, falta a harmonia de tempos diferentes, quase opostos, que conviviam graças a empurrões desconhecidos que nos mantinham nos trilhos nos primeiros meses. Já ouvi mais de uma vez coisas do tipo da metade certa da laranja, mas que esperemos a laranja deixar de ser verde para tirar dali alguma coisa. Não tenho medo da breguice aqui, quando te escrevo. A breguice sempre foi minha amiga, tua também, responsável por flores colhidas no caminho do supermercado, ou coisas assim. Teu amor engolia o mundo nas noites de inverno - e eu me aconchegava, oferecendo tudo de cru que tenho aqui, porque o que é cru é o melhor da vida, e pra ti só dedicavas meu melhor, embora às vezes ele não te agradasse. "Aguenta", pensava eu, e tu aguentava, firme, amante. Querendo salvar acima de água ou de fogo.
Salvaste, sem dúvidas, e essa tua existência-não-real me faz ver que talvez seja eu real demais, e que é isso que precisamos entender antes de partir. Mas partirei contigo, porque como nós nunca houve. E tu, que me permita ser irreal da mesma forma, e prometo manter aqui meu cru e meu inteiro - porque tudo foi, e foi só teu.
04 junho 2007
Você não tinha visto seu pai fazia muito tempo. Ele morreu nos braços da amante - como ele ousou?! - Sua mãe nunca deixou a casa, ela nunca se casou com mais ninguém, e você acabou assumindo seu consolo.
Você lembra muito com seu pai, e por isso você foi banido. E aí você pergunta por quê é tão sensível e por quê não pode confiar em ninguém exceto em nós. - Mas, como posso começar a perdoá-la? (Foram tantos anos escondida em meio a sujeira. Ela foi tola, egoísta, covarde - se acaso você me perguntar.)
Não sei de onde começar em todo os meus estranhos 50 anos. Tenho sofrido silenciosamente, adaptando, perpetuando e agüentando. - Quem você é "geração jovem" para me dizer que tenho problemas não resolvidos? Não tem muitos exemplos de frutos desse tipo de trabalho doloroso.
Como você pode atirar palavras para os lados como lamento, cura e luto? Me sinto bem, sabe, talvez nós não tenhamos nascido tão despertos quanto você. - Isso era tão difícil naqueles tempos, nós tivemos objetivos árduos em ambos os caminhos. (Nós fomos da escola pra um trabalho, pra uma esposa, pra uma paternidade instantânea).
Eu entrei no escritório dele, me sentia tão consciente no divã. Ele estava sentando de frente para mim, escrevendo suas hipóteses, eu não sei bem. Eu tenho uma esposa amorosa como suporte - que não sabe o quão envolvida ela pode estar. Você diz que as interjeições dele eram apenas para me chamar - merda!
Já no outro dia, minha doce filha - eu estava dirigindo a mais de 203. Eu subi os degraus com a memória. Lembro como eles gemiam alto. Ela só era responsável com uma bebida; ele só foi responsável pela foto. E eu só estava tentando ser o melhor irmão-mais-velho que eu podia.
Tenho andado algumas vezes confuso, algumas vezes pronto para explodir, algumas vezes indignado, algumas vezes rude. Você acredita que eu paguei a ele 75 dólares por uma hora? Isso parece um assalto numa estrada - mas algumas vezes é pouco. Eu só queria que tivesse durado mais um tempo.
Então estamos aqui os dois, brigando com demônios similares (não coincidentemente). Você consegue entender que adquirindo conhecimento, apenas intelectualmente, não está renunciando à sua majestade? Você é sábio, você é caloroso, você é corajoso, você é ótimo. E eu te amo mais do que eu jamais amei em toda a minha vida.
(the couch - alanis morissette)
17 maio 2007
15 maio 2007
, como se fosse essa tua parte que te condena e te diminui
és forte e breve e às vezes nao cabemos no mesmo espaço mesmo tempo mesma vida as coisas mudam você sabe
você vive
e quando escreves e olha que escreve muito você sabe ninguém lê são apenas letras e mais letras jogadas esquecidas abandonadas mas têm valor só ainda não perceberam
não ligue
não percebem muita coisa
mas existe e como existe aquilo retirado arrancado desprendido que te sofre e te dói mas acostumaste já com ele como de tudo se acostuma e de tudo se perde a dor e há o tempo e há o amor e ambos tens nos cabelos nas pupilas no pescoço e mesmo assim te prendes e te soltas só às vezes e às vezes da maneira mais errada e mais torta e mais cara de pau que te cabe
porque o copo não cabe
nem a vida
como se o que me doesse fosse esse teu dedo decepado
27 abril 2007
Éramos como se fôssemos importantes um para o outro. "O que te mantém é o vício", costumava dizer entre algumas conversas. O vício sempre foi um problema, um dos grandes desvios pelos quais às vezes perdíamo-nos sem saber como e voltávamos sabendo menos ainda. Certa vez, quando era pequena, briguei com uma amiguinha de escola por um motivo bobo, desses que a gente não lembra nunca mais. Mas a culpa era minha, e ela ainda mora em mim - cada vez que abro com alguém algum tipo de discussão nervosa, me lembro da última frase da menina, logo depois de cada uma ter explicado seus motivos um bilhão de vezes: "Iasa, um pedido de desculpas bastaria". Sim, tínhamos 7 anos e brigávamos por qualquer coisa semelhante a "você imitou meu papel de cartas, sua bobona", mas a menina disse a frase de uma maneira inacreditavelmente serena, me deu as costas e nunca mais voltamos a nos falar. Tínhamos 7 anos mas brigávamos como adultas. A culpa era minha, e eu não pude pedir desculpas. Não consegui. Nunca mais tive minha amiga.
Pedir desculpas não teria me feito menor, não teria me tirado o respeito, não me humilharia - e depois do pedido, sairíamos contentes - e juntas - para comprar balas ou andar de bicicleta. Mas aquela palavrinha parecia tão dura, tão impossível de se tirar da garganta, como quando estamos à beira do choro e não conseguimos nem chorar e nem falar uma palavra, e então tudo se perde. Agíamos como se fôssemos um vício um para o outro. Como se não pudéssemos nos libertar jamais, como se tudo fosse como uma droga e nos proporcionasse os mais deliciosos momentos - mas, depois, na abstinência, sofríamos de um remorso absoluto, digno de conversas com amigos e revoltas incontroláveis. E, mais tarde, no momento do reencontro, ainda anestesiados pelo remorso e pela decisão de não se deixar mais convencer, tudo caía por terra e o controle que tanto treinávamos perdia todo o seu poder. Em alguns momentos, os melhores, dedicávamo-nos a nós como verdadeiros cúmplices e amigos; em outros, todo o sentido da vida resumia-se a competir pelas melhores agressões.
Assim levávamos, entre torturas e maravilhas, numa relação quase doentia - viciosa. As tentativas de fuga e de melhorias eram consideradas por algum tempo; depois, esvaíam-se na fenda da unilateralidade e do egoísmo. Dependíamos um do outro de uma maneira bonita e verdadeira, embora quase cruel. As diferenças deixaram de despertar curiosidade e passaram a gerar indiferença ou lágrimas (tudo nessa vida depende do ponto de vista).
Assim levávamos nossos dias, assim agíamos.
Até que mudamos.
11 abril 2007
não é porque as mãos, por falta de tempo/espaço/força
deixaram de escrever,
que o coração deixou de sentir.
23 março 2007
06 março 2007
Meu Caro Amigo
Chico Buarque - As Vitrines
Eu te vejo sumir por aí /Te avisei que a cidade era um vão / Dá tua mão, olha prá mim / Não faz assim, não vá lá, não / Os letreiros a te colorir / Embaraçam a minha visão / Eu te vi suspirar de aflição / E sair da sessão frouxa de rir / Já te vejo brincando gostando de ser / Tua sombra se multiplicar / Nos teus olhos também posso ver / As vitrines te vendo passar / Na galeria, cada clarão / É como um dia depois de outro dia / Abrindo o salão / Passas em exposição / Passas sem ver teu vigia / Catando a poesia / que entornas no chão
17 fevereiro 2007
cinco
Faz um sol de fogo lá fora e meu corpo pesa. A janela aberta não refresca. As roupas leves contradizem o peso do corpo, da mente, do coração – que pesa também, como mil ou dois mil elefantes, daqueles do tipo maior, presos e comprimidos, dando a sensação de pesar e prisão e culpa. Mas a culpa é leve, comparada ao peso do coração – o coração pesa de frio.
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Só violando tradições e pensamentos se chega até aqui; a grama ainda é verde e o vento ainda sopra, mas não com a mesma beleza do caminho. Nem todos os destinos são tão belos quanto suas pretensões, e ao menos deste lado da cidade as pretensões são a forma mais eficaz de se chegar ao fracasso. Soube disso dias atrás, soube disso na última noite, não é tão complicado quanto teorias quânticas e tem utilidade maior.
Existe em ti uma vontade de doer que te reprime e te liberta ao mesmo tempo, e sabes lidar com tudo isso como um engraxate lida com ações monetárias. Existe em ti a tentativa de razão, e ela é falha; tens de assumir de uma vez que também és só impulso, assim como eu, e que foi assim que conseguistes os mais belos versos de tua poesia. Existe em ti uma boca recheada de palavras e ela insiste em se fazer valer, e aí está todo o encanto, todo o teu eu, toda a ferida, na versão mais crua e mais sincera.
Todo esse abatimento não teria sentido algum se ainda fosse ontem, mas os dias seguem e com eles o esforço de manter-se inteira e firme. São esses dias de verão, poderiam dizer. Vá mais perto e veja o mar. Há milhares de anos essa indecisão – cruel, mas necessária – entre se casar com a terra ou com o ar, com o concreto ou com as nuvens. E se nem ele, sábio e grande, em tanto tempo consegue decidir-se, não venham com dedos e facas apontados; tenho todo o tempo do mundo até que possa enxergar.
Já te contei da menina ruiva, já te contei da quase atriz, já te contei do enamorado. Agora é hora de contar-me tu dos doces que provaste, se é que algum te despertou o apetite. Conte também das plantas e dos sóis, das pinturas na estrada, do vento, da velocidade, da leveza; da leveza e da brevidade das coisas. E da sobriedade, e da negligência, e da lucidez, que sou sedenta por ouvir – ouvir e fechar os olhos e ouvir - uma vez na vida desligar-me de tudo e então ligar-me só a ti e a tuas palavras, e por elas ser consumida até a última migalha, pra que tenhas-me toda e inteira, e liberte-me aos poucos, palavras por palavras, sereno e baixinho, mas ainda assim, mantendo-me inteira (e inteira) dentro de ti.
10 fevereiro 2007
04 fevereiro 2007
Embora nem eu mesma esteja me dando conta da situação, aqui estou eu, esticada entre edredons e bolachas rechadas, pensando sobre como saí de uma situação complicada há duas semanas e meia sem nenhuma briga – no sentido exato da palavra. Obviamente, como qualquer dezoito anos que se preze, me abracei a alguns dvds de Sex And The City e me permiti dedicar algumas horas do meu final de semana pra abstrair a mente e me preocupar apenas com historinhas meio vagas sobre relacionamentos alheios. Tirei cinco minutinhos pra pensar (num domingo de calor, tendo acordado às 14h, meus neurônios não me permitem muito mais que isso), e pude concluir que eu absolutamente não entendo qual é a real complicação dos relacionamentos – ou os fatores mal(mau?)-intencionados que se dedicam a complicá-los. Na verdade, quase admiti a possibilidade de estarmos tão acostumados a bagunçar tudo, que nos tornamos os próprios fatores inconscientes especializados em inserir obstáculos sempre que possível. E, na grande maioria das vezes, sempre é possível.
Ou também pode ser que tudo se restrinja a uma questão de gênero. Aquela história de que os ideais das mulheres nem sempre são similares aos desejos masculinos. Mas além dessa explicação ser clichê e coisa e tal, me senti um pouco suja quando percebi que talvez eu concorde mais com o pensamento dos homens, e que talvez eles realmente sejam melhores nessa coisa de simplificação - e isso sem nem mencionar o fato de que são muito mais divertidos. O problema é que, ao pensar assim, me sinto a verdadeira traidora da ética feminina, e tudo o que eu não preciso nesse momento é de mais um motivo pra gritar “Culpada!” quando me olho no espelho.
Enfim. Depois de um esforço pessoal pra ignorar o fato de eu ter um lado interior bastante masculinizado e da tentativa de mais algumas falidas hipóteses explicativas, a questão é que, embora soe estúpido, ingênuo e infantil, em dias como esses eu consigo acreditar que tudo o que uma mulher precisa pra se encontrar com ela mesma não passa de sapatos bonitos, alguns dry martini e sexo casual. E ei, eu falo sério.
23 janeiro 2007
Mas assim como Clarice, cansei de morder estrelas. E se então mordesse tu as minhas? Seriam braços ao redor de braços e o teu respirar leve encontraria meus cabelos, e meus pedaços, e meus relâmpagos...
Mas me esqueço que é janeiro, e em dias de janeiro as chuvas são chuvas de verão.
Eu seco.
04 janeiro 2007
[ Nessa mesma noite, (Lóri) gaguejara uma prece para o Deus e para si mesma: alivia minha alma, faze com que eu sinta que tua mão está dada à minha, faze com que eu sinta que a morte não existe porque na verdade já estamos na eternidade, faze com que eu sinta que amar é não morrer, que a entrega de si mesmo não significa a morte e sim a vida, faze com que eu sinta uma alegria modesta e diária, faze com que eu não te indague de mais, porque a resposta seria tão misteriosa quanto a pergunta, faze com que eu receba o mundo sem medo, pois para esse mundo incompreensível nós fomos criados e nós mesmos também incompreensíveis, então é que há uma conexão entre esse mistério do mundo e o nosso, mas essa conexão não é clara para nós enquanto quisermos entendê-la, abençoa-me para que eu viva com alegria o pão que como, o sono que durmo, faze com que eu tenha caridade e paciência comigo mesma, amém.
De repente Lóri não suportou mais e telefonou para Ulisses:
- Que é que faço, é de noite e estou viva. Estar viva está me matando aos poucos, e eu estou toda alerta no escuro.
Houve uma pausa, ela chegou a pensar que Ulisses não ouvira. Então ele disse com voz calma e apaziguante:
- Aguente. ]
Do Livro Dos Prazeres, que li há tempos mas não lembrava o quão bonitinho era.