15 dezembro 2008
a história que podia muito bem ser minha mas não é
as usual
comprar um relógio de pulso
revelar pessoalmente minhas fotografias preferidas
entrar na yoga
no pilates
no budismo
na umbanda
checar o orkut uma vez ao dia, no máximo
fazer uma agenda telefônica
arranjar alguma coisa realmente importante pra se preocupar
dizer, em média, dezesseis "foda-se" por semana
botar o coração em regime de engorda
reclamar daquilo que for preciso reclamar
e só
passar a olhar por quem não tem casa
não tem dinheiro
não tem saúde
olhar também por quem não sabe o que é que não tem
assumir o gosto pelas artes visuais
ler todos os garcía márquez restantes
julgar ainda menos
conhecer cinco novas cidades
esquecer o que se precisa esquecer
ser mais cazuza que regina
ser mais nelson que lispector
10 novembro 2008
08 novembro 2008
tenho andado distraído
04 novembro 2008
os olhos de sol fitam rápidos
entorpecendo o peito em poesia
e eu que achava a prudência um dom
deixo-a para os mais bem resolvidos
a mim me basta respirar
03 novembro 2008
ê vinicius
Pra quem tem paixão principalmente
Quando uma lua chega de repente
E se deixa no céu, como esquecidaE
se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher
Deve andar perto uma mulher que é feita
De música, luar e sentimento
E que a vida não quer de tão perfeita
Uma mulher que é como a própria lua:
Tão linda que só espalha sofrimento
Tão cheia de pudor que vive nua
26 outubro 2008
narciso II
05 outubro 2008
Eis que
agora, todos os domingos, participo em vento e pulso aqui: O Diazepam. A idéia é de escritos diários mantidos por mim, por Manu Salazar, por Mari Cioffi e por Amanda Audi, compondo os íntimos de coração, e pelos brutos Sandoval Poletto, Chico Marés e Fábio Pupo, fazendo as vezes ósseas e avermelhadas. Claro que tal ordem não existe; vamos levando o mundo como o mundo nos leva, olhos abertos e braços dados com o acaso.
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25 setembro 2008
lembro de uma época, deve fazer uns quatro ou cinco anos. eu já tinha tatuagens. eu costumava visitar uma amiga num apartamento que ficava na esquina da lamenha lins com a visconde de guarapuava. o sobrenome dela é francês. ela queria ser advogada.
acendíamos marlboros vermelhos e abríamos garrafas de vinho ou de vodka e ficávamos assim, penduradas na janela, com nossas saias e nossos grampos de cabelo. discutíamos poesia - todas, as que líamos, as que nunca tínhamos lido, as que nós mesmas nos arriscamos a escrever. falávamos do rock n' roll e de florbela espanca. entendi meus primeiros baudelaires naquelas noites. bebíamos sem saber direito por quê, mas nos completávamos assim. quando achávamos que o apartamento já ficava pequeno em relação ao mundo, saíamos.
uma vez, vimos a rua 24 horas amanhecer. ela passou a noite toda batendo boca com um porco capitalista. eu tomei muitas taças de vinho - era inverno e a rua 24 horas vivia como nós. se não me engano, foi na mesma noite do show cover do led zeppelin ou dos doors. hoje, não é difícil compreender por quê tantas noites em claro me despertaram os olhos para um mundo outro que não este.
feirinhas do largo da ordem, noites em claro com palavras que não controlávamos - às vezes, nem entendíamos. estávamos no mesmo transe que permitia nosso pulsar. numa dessas noites, dei-lhe um beijo.
ontem um recado dela quase passou batido por mim. há tanto tempo que o mundo não é mais claro como aquelas noites - embora as saudades sejam tão compridas quanto. as vidas mudaram e o transe não é mais o mesmo, mas a herança do marlboro adocicado pelo vinho me traz de novo à florbela e a talayer. algum sopro daquelas noites passa ainda por aqui - então eu lembro de um tempo em que a lamenha lins era tão doce quanto ela.
13 setembro 2008
03 setembro 2008
02 setembro 2008
fome, um zunido leve na memória, aquela preguicinha gostosa de acordar sem pressa, prestar atenção no som que vem do outro lado da janela, a luz que vem do outro lado da janela, a estação que vem do outro lado da janela, mas que ainda não entrou. uma ou outra coisa que mexe quando meu sobrinho dá risada ou faz uma descoberta nova lá na sala, porque o mundo já havia acordado um pouco antes, um nervosismo sem remédio quando penso em coração, a ansiedade do fim de semana que amanhã bate aqui, a vontade de enumerar todas todas as vontades pra que nenhuma se perca, porque é isso que fazemos quando não temos nada a fazer, enumeramos vontades e sonhos e ânsias, que são tão nossos, tão nossos, talvez a única coisa que realmente nos pertença e só a nós, e depois abrir espaço pra uma melancolia breve e fina, a melancolia de estar aqui, de ser essa rotina agradável mas viciosa, vira e mexe queremos mudar mas as portas não alcançam. sentir o corpo acordar, esperando mais um dia daqueles que compõe, mesmo sem saber, uma solidez que passa batido mas que está lá. pulsando.
pulsar.
28 agosto 2008
II
25 agosto 2008
21 agosto 2008
ninguém entendeu
o quarto não tinha janelas.
o cheiro lento que correu
junto com o arrepio sutil
também não tinha explicação.
demorei a entender o cansaço da vida
ele chegou quando eu já não queria
entender mais nada
no quarto sem janelas
morava uma ironia disfarçada de obediência
tão dissimulada que até machado,
meio zonzo,
confundiu com um gato.
18 agosto 2008
Observação Teórica
Pela janela, uma brisa leve traz as primeiras saudações da primavera.
16 agosto 2008
- não sei. acho que não tem tamanho. não dá pra medir.
- qual o tamanho da lua?
- a lua é grande. dá pra ver daqui. mas é bem menor que o céu.
- como você sabe?
- eu volto pra casa triste todas as noites, sozinho. quando é dia eu não fico triste. mas à noite eu choro. acho que é porque eu presto mais atenção no caminho. quando eu tô em um lugar movimentado, depois que eu me despeço das pessoas, a noite parece maior.
- maior do que o quê?
- maior do que eu.
- você não é tão grande.
- durante o dia, eu penso que sou.
- qual céu?
a beleza do samba que dói
"Ah, meu amor não vais embora
Vê a vida como chora, vê que triste esta canção
Não, eu te peço, não te ausentes
Pois a dor que agora sentes
só se esquece no perdão
Ah, minha amada me perdoa
Pois embora ainda te doa a tristeza que causei
Eu te suplico não destruas tantas coisas que são tuas
Por um mal que eu já paguei
Ah, minha amada, se soubesses
Da tristeza que há nas preces
Que a chorar te faço eu
Se tu soubesses num momento todo arrependimento
Como tudo entristeceu
Se tu soubesses como é triste
Perceber que tu partiste
Sem sequer dizer adeus
Ah, meu amor tu voltarias
E de novo cairias
A chorar nos braços meus"
10 agosto 2008
"Correnteza,
fugiram-me as justificativas. por mais que acredites que não, entendes de mim o mesmo tanto que eu mesma - por isso talvez saibas oferecer aos meus causos um veredicto mais justo do que eu própria poderia defender. contei-te, noutra vez, sobre o discurso de uma cigana que lia mãos que visitei certo dia (permita-me recordar, caso não o possas. tal cigana procurou em minhas palmas indícios de um futuro ou de um presente, e deixou claro que sua integridade não a permitiria de contar-me tudo por motivo de proteção. tudo o que me disse, porém, é que minha vida há de ser curta. não soube explicar se tal fato era o motivo ou a consequência desse meu vício incontrolável pelo impulso: não ouço nada a não ser o coração. e não sei dos outros, mas o meu é um menino levado, mimado e sapeca, e nem eu mesma consigo prever. é tão imprevisível que já acostumamos - eu e minha razão - a precaver próximos passos. paradoxal, tu dirias, e eu concordo. mas é assim que as coisas são e por mais que tentemos, para o desespero da humanidade, não é sobre tudo que podemos impor o controle. e penso que assim continue, querido, ou não haveria mais graça em se viver).
peço, portanto e humildemente, perdão às confusões que trago à superfície, e prometo dedicar-me em pensamentos à estratégias de cuidado maior daqui pra frente. mas me sinto também no dever de reforçar que minha promessa circunda às tentativas e não aos resultados: sou, acima de tudo, humana, e não tenho em pretensão comportar-me diferente. não tive outra escolha a não ser assumir minha natureza escorregadia e não tenho certeza sobre os rumos aos quais isso me levará; talvez seja uma sina essa cousa de não pertencer a ninguém. não se engane, coração: nunca foi meu desejo seguir assim um caminho sem direção. quando menos entendida sobre como as coisas passavam no paralelo do meu peito, sonhava em assumir um sobrenome, um protetor, conformar-me com a felicidade constante e acomodada. me vejo porém cada vez mais distante desse sonho, mas não me meto em encrencas comigo mesma: aceito apenas, convicta de que assim é que se deve ser.
09 agosto 2008
estive por aí
07 agosto 2008
não dá tempo pra mais nada a não ser falar da agenda
8h30 jornalismo opinativo na floresta
10h pegar cem quilos de xerox pra ler com pipoca no fim de semana
10h10 matar aula ruim de comunicação, sociedade e cultura pra fazer a rescisão da carteira de trabalho que tá atrasada há dois meses
11h fazer as unhas porque eu também sou filha de deus
12h comida é vida, minha gente
12h30 fazer cópia de documentos sigilosos para uma reportagem
(mwahaha)
13h trabalhar
17h passar no politécnico e nas mercês, pegar a Rê e tomar um café
19h reunião de pauta, sofrer
21h festinha alcoólica de comunicação
21h01 xingar os bafômetros da cidade e a Lei Seca
23h30 sair sóbria da festinha pra ir pra outro lugar e continuar sóbria porque se dirigir, não beba. amar isadora e renata durante a noite
25 julho 2008
em 1984, no circo voador, alguém diz
benzinho, eu ando pirado. rodando de bar em bar, jogando conversa fora, só pra te ver
passando, gingando, me encarando, me enchendo de esperança. me maltratando a visão
girando de mesa em mesa
sorrindo prá qualquer um
(filha da puta)
fazendo cara de fácil,
jogando duro com o coração
24 julho 2008
, que foi onde comecei, pouco a pouco, minha coleção de dias, transformados em palitinhos, finos como eu, mas assim também como eu, pontiagudos e afiados. por vezes, meu palitos cronológicos furavam até meus pensamentos, mas essa época passou, não volta mais, então eu respiro, pego outra parede, ponho-me a desenhar mais palitinhos (trapaceio, às vezes: desenho mais de um palitinho num mesmo dia, que é pra fazer o tempo correr mais depressa).
, aquela mesma, que vem sempre aí. pobrezinha, nem desconfia que depois do quarto é só pó, um travesseiro que quase contra a vontade guarda o cheiro azedo de um perfume sem nome, uma escova de cabelo de metal azul e um tapete. se fizer silêncio, escuto seus gritos. mesmo intensos, são leves, e a imagino assim, de maçãs rosadas e pés descalços, e finjo sentir o mesmo que ela sente, esse sentir que vem lento, e forte, e quando dou por mim estou deitada e pobre e a cabeça dói, e tento me recompor, olho em volta, ninguém viu, mas a vergonha não é dos outros, é de mim mesma, a única pessoa pra quem eu devo alguma coisa
, a não ser ele, que me dá de comer e de beber, é uma boa pessoa. quando fico triste porque penso que vou sangrar tudo que tem em mim, ele aparece, me manda perceber o quão sortuda sou por ter ele ali, comigo, pra me dar um teto e o que vestir; então agradeço, jogo-me aos seus pés e beijo com força de gente que é louca todas as partes do corpo que ele tem, e é quase sempre quando ele também põe-se louco à minha frente, mas como sou gorda e baixa, e ruiva, meu grito não é leve, é um grito grave, pesado, e acho que não gosta muito, porque logo sai, e torno a desenhar palitinhos na parede e enrolar os fiapos do tapete, até que o sol volte pela fresta da quina, a quina que é fria e dura, mas que é minha, minha como algum dia nessa vida ele vai ser meu, vai ser, sim
23 julho 2008
aliás
nunca estive tão cazuza
16 julho 2008
apelo de um saco que já encheu
e que sejam amaldiçoados todos aqueles que, como eu, têm nas veias sangue vermelho e nos olhos o impulso de viver. que definhem todos os que têm fome, que morrem de vontade, os que secam de desejo, os que ardem. porque as veias fracas e os olhos pálidos daqueles que não vivem não suportam a visão da vontade; aprisionam-se entre bons costumes e descontam nas línguas as vontades do corpo que a mente não obedece. e amaldiçoado também seja aquele que disse que inútil dormir que a dor não passa; aquele que insistiu que a vida é feita de se agir duas vezes antes de se evocar o pensamento. aos outros, só peço que vão é esperar a vida passar na frente dos olhos, criaturas burras: assim, poderão falar dela também, ocupando muito mais a língua do que o coração atrofiado. se meu instinto não é bem visto aqui, devo mesmo é me aquietar e ir viver na luxúria e na agonia calma e quieta das mulheres de chico, de adriana e de vinicius, aqueles malditos promíscuos, indignos dos bons costumes de se viver junto aos 'normais'.
08 junho 2008
show details
1:23 pm (2½ hours ago)
i am having my graduation party in a couple hours today, should be a blast. Yeah i have a couple photos of the new bike, i will take some pictures today of the party and the bike and send them out to you some time this week. do you remember that night, i had got graduate two days before. you should be here for party. zack and i went up to NH house and we sorry you missed snowmobile that time. dont get me wrong, its a sweet warm weather but at this time i could just wish for winter.
07 junho 2008
carta ao frio
num canto, alguém que vive no passado (alguém que comete o mais comum dos erros, alguém engolido pela nostalgia de outros tempos, como quando a gente vê um álbum de infância e pensa "eu era feliz mas não sabia", e recusa o resultado inevitável de que aquele álbum já passou e não volta mais, e se naqueles dias tudo funcionou como deveria não é por isso que funcionaria hoje, e que, por mais que pareça, o passado não era assim tão feliz, mas sim a idéia de passado: um esconderijo escuro que a coragem abandonou).
em outro canto (são quatro), alguém em uma bela realidade, sofrida e bela, e em harmonia perfeita entre idéias e sentimentos. alguém assumido. mas a harmonia é do tamanho do risco: a humildade vai se perder.
em terceiro, um coração batido e cansado, que rodeia enquanto pode e dá voltas e mais voltas em torno da mesma crítica de mundo duro, injusto e opressor, aquela mesma crítica de tudo e todos, aquela mesma crítica comedora de sorrisos, que se infiltrou no coração batido de um jeito que tudo em volta parece pesado, e triste, e indigno de ser.
por fim, uma idéia cansada de ser idéia, uma idéia que já foi contra o mundo e a favor dele; hoje, apenas vive. uma boca que já foi calada demais, falante demais, e que acabou escolhendo por se dar a chance de mostrar os dentes em um sorriso sem ameaça. uma paciência que acabou, que vem regredindo sob certo ponto de vista, que largou mão da busca pela inserção e que ignora o pensamento fatalista, assim, simplesmente.
assim, um bater leve de dedos em um teclado desgastado, pedindo humildemente por uma renovação, qualquer que seja ela. a janela aberta vai sempre trazer uma esperança branda, cada vez mais branda, e mais sólida, por consequência. meu doer novo vem ficando amigo e em reverência eu agradeço, mas não sem a oração: dessa vez, que seja firme.
21 maio 2008
we all had our reasons to be there, we all had a thing or two to learn. we all needed something to cling to.
so we did
we all had delusions in our head, we all had our minds made up for us. we had to belive in something.
so we did
11 maio 2008
antônio ou de tudo que eu não conheço
aquele velho amigo doer deu lugar a um outro. um outro que ainda não conheço o nome, mas que está aqui há tempos, eu sei. aquele velho doer despediu-se rápido e grande em intensidade e em agonia, mas já passou. ventou apenas, como tudo e sempre. esse doer novo não me é amigo, ainda, mas não tenho medo algum de conhecê-lo. é cria minha, e conhecê-lo seria assim como olhar no espelho. o vejo todos os dias, nos sonhos, no vidro, na rua. esse doer novo me parece mais calmo e mais sensato, embora forte como não tinha ainda visto. parece, também, que esse doer sabe mais de mim que eu jamais soube, e me protege. ele tem uma finalidade, posso sentir; portanto, momentâneo.
poderia chamá-lo doer-de-mudar, mas não sei falar com propriedade de uma mudança que está por vir - mudanças são instáveis e guardam remorso. poderia chamá-lo doer novo, mas são tantos novos e sempre mais que perderia a conta estalando os dedos. poderia chamá-lo doer forte, mas seria preciso testá-lo antes, e não posso seguir assim, com um doer desnomeado, um doer que não posso chamar quando preciso, um doer desconhecido de tudo. decido, então, por Antônio.
meu doer novo tem um nome.
01 maio 2008
Sobre a agonia de ser quem é
Escrever passa a ser, então, o cano de escape por onde corre toda a dor. Um cano sem saída, sem desembocar, um cano em circuito, com joelheiras fracas, e vez ou outra vaza tudo, e demoro dias e dias no reparo, um reparo que é sem cuidado, sem vontade, um reparo que agoniza junto comigo e com tudo que guardo aqui. O mistério, então, se perde, e de repente acabo por ficar cada vez mais clara, mais rasa. Menos honesta.
A poesia dá lugar a palavras fáceis, que não dóem a mais ninguém a não ser eu. Escrever para os outros vira o escrever pra mim, e num paradoxo sem certezas as palavras superficializam a agonia, e tudo acaba em uma verdade sem graça, uma verdade comum. Que o mundo não passa de uma verdade comum. Que a verdade não passa de um oásis em miragem, que não existe. O deus ao qual nos agarramos pra poder fechar os olhos. Os olhos que a minha correnteza não possui.
Como as mil classes que deixei passar, como os quadros da minha infância, os peixinhos em forma de oito, as cores contrastadas. As fotografias que eu não mostrei pra ninguém. O espetáculo que eu trouxe ao dia a dia, mas não ao palco.
Metáforas são armaduras para quem não pode afirmar nada.
E em determinada esquina, me transformo em algo que não leva ao fim nem a xícara de café. Que, antes que ela termine, me explodem mais mil vontades, pesadas, pesadas, impossíveis de carregar. Um câncer. Um apodrecer que toma tudo em volta, aos poucos, e eu posso assistir ao desespero de mim mesma com as mãos atadas, uma corda que está lá sem existir. As pernas, então, tremem. As mãos apontam mais direções do que essa dimensão permite, mas não há uma cara para a qual eu possa olhar enquanto a mando tomar no cu.
Escrever passa a ser sentir tudo
Levanto os olhos, finalmente. Existe um vão tão grande entre a janela e aquele mundo que há lá fora, um mundo pequeno, é possível segurá-lo. Dentro dele, mil faces, mil amores, mil artes diferentes, todas palpáveis, possíveis, mundanas. Dentro do mundo, eu, Adriana, cordas e mais cordas, e facas e fósforos, parados, em pó, à espera.
Engolir as dores dos outros, dores transformadas em páginas — assim como as minhas, cada uma de minhas dores são mil, três mil letras, que descansam exaustas em um espaço que não existe, não posso tocar. Minhas dores então já não são minhas, são de ninguém — e trazer companhia à coisa sem-nome, conforto ao desesperar, mas não traz direção a correnteza alguma. Ao invés disso, aumenta o volume, arranja outro desembocar (não o meu, o dos outros em mim). Que me dá vontade de estapear a cara que não existe, chacoalhar seus cabelos, para que pare. Estapeio o que não existe. Percebo, sem nenhuma emoção nova: não vai parar.